segunda-feira, 23 de maio de 2011

Recurso hierarquico necessario VS Recurso Contencioso Administrativo

Os recursos contenciosos apresentam relativamente aos recursos graciosos, no âmbito do direito administrativo, alguns pontos em comum. Ambos são regulados pelo mesmo direito, ambos são meios de impugnação de actos de autoridade, ambos possuem por objecto decisões da administração. Mas existem nítidas diferenças de natureza que os separam, enquanto os recursos graciosos se integram na função administrativa, os recursos contenciosos pertencem à função jurisdicional, diferença que se projecta no órgão competente. Quanto aos fundamentos, os recursos graciosos podem possuir por fundamento a ilegalidade, a injustiça ou a inconveniência do acto recorrido, os recursos contenciosos apenas a ilegalidade. E quanto à natureza de decisão, os recursos graciosos decidem-se por acto administrativo, os recursos contenciosos por sentença.
Impugnar os actos lesivos e apreciar as garantias processuais administrativas, não foi uma conquista do regime liberal, na mediada, em que tudo isto já existia no “Antigo Regime”.
Nas Ordenações Afonsinas já se previam mecanismos de atacar e obter anulação de diplomas, cartas, alvarás que fossem contrários ao direito ou utilidade públicas assim como todos aqueles que ofendessem o direito adquirido por terceiro.

Em 1930, criaram-se verdadeiros tribunais administrativos: as Auditorias e o Supremo Conselho da Administração sendo este em 1933 substituído pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Em 1976 com o regime vigente sob a constituição de 1976 e as sucessivas revisões dá-se inicio a um novo período na justiça administrativa em Portugal, na medida, em que se dá um enquadramento diverso dos tribunais administrativos e da sua acção, sendo que, em 1977 pelo Decreto-Lei 256-A/77 de 17 de Junho, judicializaram-se os tribunais administrativos, as sua decisões tornam-se obrigatórias para todas as entidades publicas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades.
Em 1982 pela Lei Constitucional Nº1/82 de 30 de Setembro dá-se um passo importante no sentido de garantir o recurso contencioso para obtenção de reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido e não só de actos administrativos definitivos e executórios ilegais, como acontecia até então, abrindo-se caminho para a institucionalização dos meios de garantia contenciosa que possibilitaram a inaplicabilidade ou inefectividade da protecção assegurada pelo meio tradicional do recurso contencioso de anulação.
A aprovação da Lei 15/2002 de 22 de Fevereiro, conhecida por Código de Processo nos Tribunais Administrativos, teve grande importância teórica e relevância pratica, pela metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo, que passou, usando a feliz expressão de certa doutrina, de necessário a “útil”. Em causa encontrava-se a necessidade de compatibilização das normas do novo processo administrativo que, ao concretizar o direito fundamental de acesso à justiça administrativa, consagram a norma jurídica da impugnabilidade dos actos administrativos em razão da eficácia externa e da susceptibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, afastando expressamente toda e qualquer exigência de recurso hierárquico necessário com as normas de procedimento reguladoras das garantias administrativas.

Antes de vigorar o actual Código de Processo nos Tribunais Administrativos, algumas correntes doutrinárias, defendiam já a não necessidade do principio da tripla definitividade, na medida em que um acto para ser recorrível contenciosamente teria de ser um acto administrativo definitivo em sentido material, horizontal e vertical, estando este conceito previsto no Art.25º Nº1 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e, “atacavam” no sentido de que esta norma se deveria considerar como que caducada por inconstitucionalidade superveniente, em virtude do Art.268 Nº4 da Constituição da Republica Portuguesa, garantir aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentes da sua forma, que lesassem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

A noção de executoriedade como característica do acto recorrível, tratava-se, teoricamente, de um conceito equivoco, erróneo, porque dotado de uma multiplicidade de sentidos, cuja escolha ficava dependente das conveniências de momento.

O recurso contencioso não devia ficar dependente de pretensas características de obrigatoriedade e susceptibilidade de execução coactiva, mas sim da eficácia externa e lesiva dos actos administrativos. A executoriedade, como critério de determinação de acesso ao recurso contencioso, não correspondia ao direito português, dado que o nº4 do Art.268º da CRP faz caducar essa mesma exigência, configurando uma violação dos princípios constitucionais da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (Art.268º Nº4 CRP) e da desconcentração administrativa (Art.267º Nº2 CRP).
Começa a ser entendimento geral, que o Código do Processo nos Tribunais Administrativos afasta inequívoca e definitivamente a “necessidade” de recurso hierárquico necessário, como pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos.
Nos círculos universitários e comum dizer-se que o Código de processo revogou a “regra geral” do recurso hierárquico necessário do Código de procedimento Administrativo, mas não revogou as “regras especiais”. É oportuno lembrar que as garantias administrativas devem funcionar como verdadeiros instrumentos de protecção subjectiva e de tutela objectiva da legalidade e do interesse público e só assim adquirem a verdadeira composição preventiva de litígios contenciosos.
A solução mais adequada, para compatibilizar os regimes jurídicos do procedimento e do processo, seria a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário, apenas por uma questão de certeza e segurança jurídica, uma vez que se deve considerar que elas já caducaram. A título transitório, enquanto o legislador não as revogar, o lesado por um acto administrativo de um subalterno que preencha a anterior previsão de recurso hierárquico necessário pode fazer as seguintes opções:

- Impugnar hierarquicamente a decisão administrativa, sem mais nada fazer,aceitando,como é comum, o respectivo resultado;
- Intentar de imediato a acção administrativa especial, acompanhada ou não do pedido cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo;
- Proceder à prévia impugnação hierárquica, gozando do efeito geral de suspensão do prazo de recurso contencioso e só depois, em função do resultado da garantia administrativa, utiliza ou não a garantia administrativa;
- Impugnar hierarquicamente a decisão administrativa, gozando do efeito de suspensão da eficácia, tem a possibilidade de aceder imediatamente a tribunal, sem necessidade de esperar pela decisão do recurso hierárquico.

Em suma o particular continua a dispor precisamente das mesmas garantias graciosas administrativas, tem é mais opções para entrar na via contenciosa, contudo os “actores desta novela” agradecem mas preferem não ter que perder tempo com diligências inúteis e há a urgência que o legislador tenha a coragem de dar o passo em frente no sentido de compatibilizar os regimes do CPA com o CPTA e revogar expressamente as normas ditas “especiais” que “enfermam” o actual modelo de contencioso administrativo português!

Bibliografia:
 
Amaral, Diogo Freitas do, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, Atlântida ed., 1981, vol. I
Caetano, Marcello, Estudos de História da Administração Pública Portuguesa, Coimbra, Coimbra ed., 1994
Correia, José Manuel Sérvulo, Direito Administrativo II (Contencioso Administrativo), Lisboa, 1993
Silva, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra 1995
Silva, Vasco Pereira da, De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 47, Setembro / Outubro, 2004
Silva, Vasco Pereira da, O contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Coimbra, Almedina, ed.2009

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