segunda-feira, 23 de maio de 2011

Despacho Saneador


Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa


Processo n.º 123/Y

Nos termos do art. 87.º CPTA, cabe proferir despacho saneador, com conhecimento das questões de obstam ao conhecimento do mérito da causa:


DESPACHO SANEADOR

I.  Saneamento do Processo

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
Foram, no entanto, invocadas algumas excepções dilatórias que, a proceder, obstam ao prosseguimento do processo e ao conhecimento do mérito da causa, pelo que cabe delas conhecer imediatamente:

1.      Da excepção de incompetência do tribunal
Foi suscitada pelo R. e pelo contra-interessado a excepção de incompetência hierárquica do tribunal em que o A. propôs a acção.
De acordo com o art. 44.º, n.º 1 ETAF, aos Tribunais Administrativos de Círculo é atribuída uma competência residual, cabendo-lhes conhecer, em primeira instância, de “todos os processos no âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência esteja reservada aos tribunais superiores e da apreciação dos pedidos que neste processo estejam cumulados”.
Neste sentido, sendo que nos termos do art. 24.º, n.º 1, al. a), (iv), para uma acção proposta contra o Primeiro-Ministro o tribunal competente será o Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Administrativo de Círculo será incompetente.
Sendo que o A. propôs a acção no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da hierarquia e, em consequência, declara-se o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa incompetente para conhecer da presente acção e competente o Supremo Tribunal de Justiça.
Ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.º 1, CPTA, remete-se oficiosamente os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, suprindo-se assim a incompetência hierárquica.

2.      Da excepção de falta de patrocínio judiciário
Foi suscitada pelo contra-interessado a excepção de falta de patrocínio judiciário.
A constituição de mandatário judicial é obrigatória nos termos do art. 11.º, n.º 1, CPTA., devendo a apresentação da procuração forense processar-se segundo o disposto no CPC. (art. 79.º, n.º 1 CPTA).
A falta de documento que ateste a concessão do patrocínio judiciário é fundamento para absolvição do R. instância (88.º, n.º 4, CPTA), mas o juiz, nos termos do art. 40.º, n.º 2, CPC, deve fixar o prazo dentro do qual o vício pode ser suprido. No entanto, o A. corrigiu a falta de procuração forense, acrescentando-a à petição inicial, voluntariamente e por iniciativa própria.
Assim, julga-se improcedente a excepção de falta de patrocínio judiciário.

3.      Da cumulação ilegal
Foi suscitada pelo R. e pelo contra-interessado a excepção ilegalidade da cumulação de pedidos.
O CPTA, no seu art. 4.º, consagra o princípio da livre cumulabilidade de pedidos. No então, a admissibilidade da cumulação de pedidos depende duma relação material de conexão entre eles, que o próprio artigo descreve. Como tal, será necessário que a causa de pedir seja a mesma e única, que os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência e que, ainda que a causa de pedir seja diferente, a procedência dos pedidos dependa essencialmente dos mesmos factos ou das mesmas normas jurídicas. Naturalmente, terá ainda que existir compatibilidade substancial entre os pedidos.
O A. cumula os pedidos baseando-se nos arts. 4.º, n.º 1, al. b) e 47.º, n.º 4, al. b, conforme o art. 6.º da petição inicial.
O R. alega, no art. 10.º da sua contestação, que os fundamentos alegados pelo A. não se coadunam com a exigência de que os pedidos se baseiem nas mesmas circunstâncias de facto e nos mesmos fundamentos de direito. O art. 32.º contra-interessado vai no mesmo sentido, considerando que os fundamentos de direito invocados nos arts. 28.º a 34.º da petição inicial “não podem servir de base, de modo algum, ao pedido de impugnação do acto administrativo que aprovou a construção do novo aeroporto”.
Note-se que o conhecimento das excepções e o conhecimento do mérito são feitos em momentos processuais distintos, ainda que, muitas vezes, a linha divisória seja difícil de traçar. Assim, não parece haver dúvidas de que, na petição inicial, os argumentos de direito e os factos alegados pelo A. para o pedido 1 são os mesmos dos alegados para o pedido 2. Se, como referiram os contra-interessados, “podem servir de base” à procedência do pedido ou não já é uma questão de mérito, a ser decidida noutro momento.
Tendo o A. alegado, para ambos os pedidos, os mesmos factos, parece que a cumulação é possível, ao abrigo do disposto no art. 4.º, n.º 1, al. b) CPTA.
Assim, não se verifica a ilegalidade alegada.


Tudo visto, e pressupondo que o A. corrigirá as deficiências apontadas em despacho de aperfeiçoamento anterior, nada obsta ao conhecimento do mérito da causa.
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Nos termos do art. 508.º-B CPC, ex vi art. 1.º CPTA, o juiz pode dispensar a realização de audiência preliminar quando, destinando-se esta a fixação da base instrutória, a simplicidade da mesma o justifique (art. 508.º-B, n.º 1, al. a)). Não havendo lugar à realização de audiência preliminar, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o juiz deve seleccionar a matéria de facto no despacho saneador.
Assim, sendo que a causa não se parece revestir de manifesta dificuldade, dispensa-se a audiência preliminar e, em aplicação do art. 511.º, importa agora fixar a base instrutória, após a enunciação dos factos assentes:
Matéria de facto provada:
A. O Governo português pediu um empréstimo extraordinário no mês de Abril de 2010 ao FMI, BCE e Comissão da União Europeia (art. 7.º PI);
B. O Governo português comprometeu-se perante as entidades referidas em A a reduzir, se necessário, os ordenados em 10% em todos os empregos públicos (art. 8.º PI);
C. O A. foi contratado pelo Ministério da Economia para exercer a função de economista (art. 11.º PI);
D. O A. auferia a quantia de 2.000 euros por mês até Maio de 2011 (art. 12.º PI);
E. O A. sofreu uma redução de 10% no ordenado em Maio do mesmo ano passando a auferir 1.800 euros mês (art. 14.º PI);
F. As despesas familiares mensais do A. rondam os €2000, nos termos invocados na petição inicial (art. 15.º PI);
G. O A. incorreu em juros de mora nas prestações de crédito ao consumidor de 120 euros mês (art. 17.º PI);
H. O Governo português comprometeu-se a suspender todas as despesas conducentes à realização de investimentos públicos extraordinários (art. 9.º PI);
I. O Governo comprometeu-se a suspender a construção do segundo aeroporto de Lisboa (art. 10.º PI);
J. O seminário Sol publicou a notícia confirmando a não suspensão da construção no dia 6 de Maio de 2011 (art. 22.º PI);
K. O Governo aprovou a 15 de Outubro de 2005 a construção de um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (art. 45.º contestação do contra-interessado);
L. A 10 de Fevereiro de 2006 foi aberto concurso público para a adjudicação da obra, tenho sido celebrado contrato de empreitada com a “Sóbetão – Construções, SA., nos termos invocados na contestação dos contra-interessados (arts. 57.º a 62.º contestação do contra-interessado);
M. O contra-interessado realizou os actos enunciados nos arts. 90.º a 94.º da sua contestação.



Base instrutória:
Não estão provados os seguintes factos, ainda que não tenham sido contestados, por aplicação do art. 83.º, n.º 4, CPTA:
1.º- Que o acto impugnado no pedido 1, isto é, o acto que reduz o montante salarial em 10% tenha sido praticado, muito menos que o Primeiro-Ministro José das Socas tenha sido o seu autor - note-se que o DOC. 5 se refere ao pagamento e não ao acto que ordena a redução dos pagamentos (art. 2.º PI);
2.º- Que não tenha havido suspensão da obra (arts. 20.º a 23.º PI), nomeadamente por as notícias na comunicação social poderem não corresponder à realidade e por não haver qualquer elemento na prova fotográfica que identifique aquela obra como a construção do novo aeroporto de Lisboa;
3.º- Que o e-mail apresentado por Ana Rita Chiba seja verdadeiro, isto é, tenha sido, de facto, enviado pelo Ministro das Obras Públicas nos termos descritos na petição inicial e, portanto, que tenha havido qualquer ordem de não suspensão (arts. 24.º a 27.º PI).
4.º- Que neste momento falta apenas a conclusão de duas pistas e de um edifício de serviços administrativos na construção do novo aeroporto de Lisboa (art. 63.º contestação do contra-interessado);
5.º- Que os e-mails trocados entre o contra-interessado e o Ministro das Obras-Públicas sejam verdadeiros (arts. 67.º e 68.º da contestação do contra-interessado).

Lisboa, 22 de Maio de 2011,

Os juízes,
Isabel Montalvão
Joana Fernandes
Mariana Oliveira
Jerónimo Kopke Túlio
Filipa Lemos Caldas

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