domingo, 22 de maio de 2011

         O CONTENCIOSO CONTRATUAL DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
    
       
Nota introdutória

Com as transformações introduzidas pela reforma do Contencioso Administrativo no âmbito da contratação pública significam um novo começo da dogmática administrativa. De facto, é da Justiça Administrativa que advém a dicotomia contrato administrativo/contrato de direito privado da Administração. No entanto, actualmente, a reforma do Contencioso Administrativo constitui uma oportunidade para o renascimento da teoria geral dos contratos celebrados no âmbito da função administrativa.

Breve nota histórica
           
    Inicialmente, os tribunais administrativos, enquanto órgãos administrativos especiais destinavam-se a proteger a Administração, isentando do controlo judicial os respectivos “actos de poder público”. A primeira manifestação da acima referida dicotomia dá-se quando os “privilégios de foro” da Administração pública, em França, depois de começarem por dizer respeito apenas a actos administrativos, desde cedo se alargam também a certos contratos administrativos que, em razão da sua importância, se entendeu que deveriam ser igualmente submetidos a uma “tribunal especial”. Esta dicotomia significa que a alguns sujeitos seria atribuído um “foro especial”, privativo da Administração, enquanto os restantes ficavam submetidos aos tribunais judiciais, como os acordos celebrados entre simples particulares.
            Num segundo momento, esta dualidade, que começara por razões de ordem pública e tinha consequências apenas processuais, passa a ser caracterizada por uma teorização das diferenças substantivas dos contratos administrativos quanto aos restantes, o que poderia justificar o diferente tratamento processual.

O regime actual, segundo a reforma do contencioso
         
      Apesar de tudo quanto acima se referiu, a reforma do Contencioso Administrativo português, como consequência do alargamento do âmbito de jurisdição administrativa ao universo das relações jurídicas administrativas e fiscais estabelece uma nova e esperada “unidade” nesta matéria. No entanto, como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva isto só acontecerá verdadeiramente quando o legislador se basear nas medidas trazidas pelo Direito Europeu e pelo ETAF de forma a conseguir essa referida unidade.
            O ETAF, logo no seu art. 1.º n-º 1 estabelece uma regra geral de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, devido à natureza da relação jurídica em litígio, enumerando depois, exemplificativamente, um número de situações que se enquadram na previsão (4. n.º 1 alíneas a) a n)). É através destas normas que se consagra uma competência dos tribunais administrativos e fiscais para o julgamento de todas as ligações jurídicas correspondentes ao exercício da função administrativa.
            Ao adoptar a relação jurídica em causa como critério de delimitação da jurisdição administrativa, o legislador veio criar a ligação necessária entre o direito substantivo e o processual.
            Assim, retira-se desta norma uma dupla prevenção: a de que as normas deste preceito concretizam uma cláusula geral mais ampla, da relação jurídica, e de que a multiplicidade dos critérios usados pelo legislador para caracterizar o universo da contratação demonstra esse mesmo conteúdo mais amplo.
            A primeira referência à administrativa consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, referindo-se à “verificação da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração”. O preceito estabelece, então, a competência da jurisdição administrativa para o julgamento de qualquer contrato celebrado com a Administração. Embora o artigo se refira apenas ao contrato subsequente, ele deve ser entendido, tal como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva, como uma mera exemplificação de uma relação jurídica administrativa. Assim, conclui-se que a emissão do acto administrativo cujos efeitos se repercutem num qualquer contrato celebrado pela Administração, tem como resultado tornar administrativa essa mesma relação contratual, independentemente do regime jurídico substantivo que seja aplicável.
            Para além deste, o outro exemplo qualificador que o artigo enuncia é o do procedimento contratual, sendo matéria de justiça administrativa as “questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público” (artigo 4.º, nº 1 al. e)).
            Finalmente, o legislador procede à elaboração de outra “lista de exemplos” de relações contratuais enquadráveis na justiça administrativa, na al. f) do n.º1 do artigo 4.º do ETAF. Este preceito vem incluir nestes exemplos as “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo”.
            Para além disto, refira-se que esta norma apresenta três níveis de densificação exemplificativa dos contratos de Justiça Administrativa:

- contratos com eficácia substantiva - actuação contratual em razão do critério das formas de actuação ou da natureza do poder exercido;

- contratos total ou parcialmente regulados pelo Direito Administrativo – contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime

- contratos celebrados, mesmo entre dois particulares, colaborando com a Administração no exercício da função administrativa, quando as partes optem por um regime de direito público

Conclusão:
          
    Poderá concluir-se pelo seguinte: a técnica legislativa adoptada para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, tal como matéria de contratação pública, de combinar uma cláusula geral e aberta com uma enumeração exemplificativa tão extensa vem permitir a qualificação como administrativos de todos os contratos correspondentes ao exercício da função administrativa. Assim, tal como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, não é tanta a análise da letra das normas que dizem respeito a esta matéria que importa, mas sim a do espírito do sistema, interpretando cada uma enquanto exemplos de uma cláusula geral de relações jurídicas administrativas. O legislador parece ter optado, então, por um regime de abertura da Justiça Administrativa a todos os acordos celebrados no exercício da função legislativa.

Bibliografia:

- do Amaral, Freitas Diogo/ de Almeida, Aroso, “Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo”, 3ª ed., ed. Almedina, Coimbra, 2004

- da Silva, Vasco Pereira, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina


Suzan Timuroglu, no. 17570 subturma 7

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