segunda-feira, 23 de maio de 2011

Acórdão "Foto-Frost"

ACORDAO DO TRIBUNAL DE JUSTICA DE 22 DE OUTUBRO DE 1987. - FOTO-FROST CONTRA HAUPTZOLLAMT LUEBECK-OST. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO FINANZGERICHT HAMBURG. - INCOMPETENCIA DOS TRIBUNAIS NACIONAIS PARA DECLARAREM A INVALIDADE DOS ACTOS COMUNITARIOS - VALIDADE DE UMA DECISAO EM MATERIA DE COBRANCA'A POSTERIORI'DE DIREITOS DE IMPORTACAO. - PROCESSO 314/85.

Sumário


1. Os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno podem apreciar a validade de um acto comunitário e, se não considerarem procedentes os fundamentos de invalidade que as partes invocam perante eles, podem rejeitar esses fundamentos concluindo que o acto é plenamente válido. Pelo contrário, os órgãos jurisdicionais, sejam as suas decisões susceptíveis ou não de recurso judicial de direito interno, não são competentes para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias.
Esta solução é imposta, em primeiro lugar, pela exigência de uniformidade na aplicação do direito comunitário. Divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros quanto à validade dos actos comunitários seriam efectivamente susceptíveis de comprometer a própria unidade da ordem jurídica comunitária e de prejudicar a exigência fundamental de segurança jurídica.
É imposta, em segundo lugar, pela necessária coerência do sistema de protecção jurisdicional instituído pelo Tratado. Este, com efeito, por meio dos artigos 173.° e 184.°, por um lado, e 177.°, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições. Atribuindo o artigo 173.° competência exclusiva ao Tribunal para anular um acto de uma instituição comunitária, a coerência do sistema exige que o poder de declarar a invalidade do mesmo acto, se ela for suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, seja igualmente reservado ao Tribunal.
Essa repartição de competências é susceptível de sofrer alterações sob determinadas condições na hipótese de a validade ser contestada perante o tribunal nacional no âmbito de um processo de medidas provisórias.
2. O n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento n.° 1697/79 do Conselho, relativo à cobrança a posteriori dos direitos de importação ou de exportação, que formula três condições concretas para que as autoridades competentes possam não proceder à cobrança a posteriori, deve ser interpretado como significando que o devedor tem direito a que não seja efectuada a cobrança desde que estejam preenchidas todas essas condições.

Partes



uma decisão prejudicial sobre a interpretação do artigo 177.° do Tratado, do n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento n.° 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativo à cobrança a posteriori dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham sido exigidos ao devedor por mercadorias declaradas para um regime aduaneiro que implica a obrigação de pagamento dos referidos direitos (JO L 197, p. 1; EE 02 F6 p. 54), bem como do protocolo relativo ao comércio interno alemão e às questões com ele relacionadas, de 25 de Março de 1957, e sobre a validade de uma decisão dirigida à República Federal da Alemanha em 6 de Maio de 1983, pela qual a Comissão declarou que devia proceder-se à cobrança a posteriori de direitos de importação num caso determinado,

Fundamentação jurídica do acórdão



1 Por despacho de 29 de Agosto de 1985, que deu entrada no Tribunal em 18 de Outubro de 1985, o Finanzgericht Hamburg apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, várias questões relativas, por um lado, à interpretação do artigo 177.° do Tratado e do n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento n.° 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativo à cobrança a posteriori dos direitos de importação ou dos direitos de exportação (JO L 197, p. 1), bem como do Protocolo relativo ao comércio interno alemão e às questões com ele relacionadas, de 25 de Março de 1957, e, por outro, à validade de uma decisão dirigida à República Federal da Alemanha em 6 de Maio de 1983, pela qual a Comissão declarou que devia proceder-se à cobrança a posteriori de direitos de importação num caso determinado.
4 Os serviços aduaneiros competentes tinham inicialmente admitido as mercadorias com isenção de direitos de importação tendo em conta o facto de serem originárias da República Democrática Alemã. Na sequência de um controlo, o Hauptzollamt Luebeck-Ost, serviço aduaneiro principal, considerou que os direitos aduaneiros eram devidos por força da legislação alemã. No entanto, considerou que, no caso em apreço, não devia proceder-se à sua cobrança a posteriori porque a Foto-Frost preenchia as condições exigidas pelo n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento n.° 1697/79 do Conselho, nos termos do qual as "autoridades competentes podem não proceder à cobrança a posteriori do montante dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham sido cobrados em consequência de um erro das próprias autoridades competentes, que não podia razoavelmente ser detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado, agido de boa-fé e umprido todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que respeita à declaração para a alfândega". Resulta do despacho de reenvio que o Hauptzollamt considerou que a Foto-Frost tinha preenchido correctamente a sua declaração para a alfândega e que não podia exigir-se que detectasse o erro cometido, tendo outros serviços aduaneiros considerado, aquando de operações anteriores análogas, que elas não davam origem ao pagamento de direitos.
6 Em 6 de Maio de 1983, a Comissão dirigiu à República Federal da Alemanha uma decisão negativa. Fundamentou a sua decisão afirmando "que os serviços aduaneiros em questão não fizeram uma aplicação errada das disposições que regulam o comércio interno alemão, tendo-se limitado a admitir como correctos, sem os contestar imediatamente, os elementos que constavam das declarações apresentadas pelo importador; que essa maneira de proceder... em nada impede as referidas autoridades de procederem posteriormente a uma rectificação da tributação, como prevê expressamente o artigo 10.° da Directiva n.° 79/695/CEE do Conselho, de 24 de Julho de 1979, relativa à harmonização dos procedimentos de introdução em livre prática das mercadorias (JO L 205, p. 19; EE 02 F6 p. 57). Considerou "por um lado, que o importador estava em condições de confrontar as disposições que regulam o comércio interno alemão, cujo benefício solicitava, e as circunstâncias em que decorriam as importações em causa; que podia, assim, detectar, qualquer erro na aplicação dessas disposições; que está provado, por outro, que não cumpriu todas as obrigações previstas pela regulamentação em vigor no respeitante às declarações aduaneiras".
4) No caso de não ser permitido, por aplicação do n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 1697/79, não proceder à cobrança dos direitos aduaneiros: as mercadorias originárias da República Democrática Alemã, entradas na República Federal da Alemanha sob o regime do trânsito comunitário (processo externo) através de um Estado-membro não alemão, fazem parte do comércio interno alemão na acepção do protocolo relativo ao comércio interno alemão e aos problemas conexos, de 25 de Março de 1957, de modo que, na importação dessas mercadorias para a República Federal da Alemanha, não há que pagar direitos aduaneiros nem o imposto sobre o volume de negócios na importação, ou os direitos referidos devem ser cobrados como para as importações originárias de países terceiros, de modo que há que cobrar, por um lado, os direitos aduaneiros comunitários de acordo com as disposições da legislação aduaneira, e, por outro, o imposto sobre o volume de negócios na importação de acordo com o n.° 2 do artigo 2.° da sexta directiva comunitária relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios?"
24 A primeira condição enunciada pela citada disposição é a de os direitos não terem sido cobrados devido a erro das próprias autoridades competentes. A este respeito, convém refutar o argumento da Comissão segundo o qual as autoridades aduaneiras não teriam cometido qualquer erro e se teriam limitado numa primeira fase a admitir como exacto o conteúdo da declaração da Foto-Frost, para o que estariam autorizadas pelo artigo 10.° da Directiva 79/695/CEE do Conselho, já citada. Efectivamente, resulta da disposição acima referida que, quando os direitos tiverem sido calculados segundo o conteúdo não conferido da declaração aduaneira, pode proceder-se posteriormente a um controlo dessa declaração e a uma rectificação do montante dos direitos fixados. No caso em apreço, como a própria Comissão reconheceu nas observações e na resposta a uma pergunta formulada pelo Tribunal, a declaração da Foto-Frost continha todos os dados factuais necessários para a aplicação da legislação em causa e os dados eram correctos. Nessas condições, o controlo a posteriori efectuado pelas autoridades aduaneiras alemãs não poderia revelar qualquer elemento novo. Assim, foi de facto devido a um erro das autoridades aduaneiras na aplicação inicial da legislação em causa que os direitos não foram cobrados aquando da importação das mercadorias.
25 A segunda condição é a de o devedor ter agido de boa fé, isto é, não ter podido detectar o erro cometido pelas autoridades aduaneiras. A este respeito, há que lembrar que os juízes especializados do Finanzgericht Hamburg, no seu despacho de suspensão de execução de 22 de Setembro de 1983, consideraram muito duvidoso que fossem devidos direitos por operações do tipo das que estão em causa. O Finanzgericht considerou que essas operações pareciam incluir-se no comércio interno alemão e estavam, por isso, isentas de direitos aduaneiros, por força do protocolo relativo a esse comércio. Contudo, salientou que a situação era duvidosa, tanto à luz da jurisprudência do Tribunal como face à jurisprudência nacional. Nessas condições, não pode razoavelmente considerar-se que a Foto-Frost, uma empresa comercial, tenha podido detectar o erro cometido pelas autoridades aduaneiras. Por outro lado, teria ainda menos razão para suspeitar de um erro pelo facto de operações anteriores análogas se terem realizado com isenção de direitos.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas
33 As despesas efectuadas pelo Governo da República Federal da Alemanha e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Tendo o processo, em relação às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL
decidindo sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Finanzgericht Hamburg, por despacho de 29 de Agosto de 1985, declara:
1) Os tribunais nacionais não são competentes para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias.
3) A decisão dirigida em 6 de Maio de 1983 à República Federal da Alemanha, em que a Comissão declarava dever proceder-se, em determinado caso, à cobrança a posteriori de direitos de importação, é inválida.

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