segunda-feira, 16 de maio de 2011

Âmbito De Aplicação Da Impugnação De Actos Administrativos


      O recurso de anulação, antecedente da modalidade da acção administrativa especial, era, de há muito, uma realidade em “crise de identidade”, que se manifestava, desde logo, na dissociação entre o nome a o conteúdo, o que levou Vasco Pereira da Silva a considerar que não se tratava de um recurso, nem (sequer) de anulação. Isto porque:
1)     O Recurso de anulação era antes uma acção, pois tratava-se da primeira apreciação jurisdicional de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, na sequência da prática de um acto pela Administração Pública, e não de uma apreciação jurisdicional de segunda instância, versando sobre uma decisão judicial.
2)     O Recurso de anulação não era (apenas) de anulação, pois as sentenças ditas de anulação produziam efeitos relativamente às partes que não se esgotavam no efeito demolitório, como o de proibir a Administração Pública de refazer o acto e o de a obrigar a uma actuação de restabelecimento da situação jurídica do particular lesado pelo acto anulado. Daí a necessidade de considerar que as sentenças ditas de anulação podiam também possuir outros efeitos de natureza conformativa e repristinatória.
      A reforma do Contencioso Administrativo optou por pôr termo ao recurso de anulação, o que foi uma boa solução, segundo Vasco Pereira da Silva. A sua substituição por uma acção de impugnação de actos administrativos, em que se possibilita a apreciação da integralidade da relação jurídica, a propósito da impugnação de um acto administrativo lesivo, resulta muito claramente do mecanismo da cumulação de pedidos.
      Na verdade, o CPTA contém uma cláusula geral de admissibilidade de cumulação de pedidos materialmente conexos (arts. 4/1 e 47/1 CPTA), a qual é acompanhada de uma enumeração exemplificativa de pedidos cumuláveis com o de anulação do acto administrativo. Cumulação de pedidos que tanto pode verificar-se em identidade de nível como numa relação de alternatividade ou ainda de subsidiariedade, que pode verificar-se logo no momento da propositura da acção como em momento posterior (arts. 28.º e 61.º CPTA, relativos à apensação de processos, e art. 48.º, referente aos processos de massas), que pode dizer respeito a pedidos de vários sujeitos processuais dando origem a situações de litisconsórcio e de coligação de partes, que tanto pode ser real como aparente.
      Quanto a esta última distinção, ela tem como critério saber se cada um dos pedidos possui uma expressão económica própria, caso em que a cumulação é real, ou se eles dizem antes respeito a uma mesma e única utilidade própria, i.e., a um mesmo bem em sentido económico, caso em que a cumulação é aparente, “dado que a parte formula vários pedidos, mas não aufere benefícios distintos pela procedência de cada um” (Teixeira de Sousa). Até porque o CPTA parece atribuir uma grande relevância a esta última modalidade, ao considerar que “a cumulação de pedidos é admissível quando entre eles se verifique uma relação de prejudicialidade”, ou seja, quando respeite à mesma utilidade económica, o que leva Teixeira de Sousa a “suspeitar” “que as situações de cumulação aparente são frequentes no Contencioso Administrativo” e a acrescentar que essa “suspeita se adensa se forem consideradas as situações exemplificadas nos artigos 4/ e 47/2 CPTA, dado que em todas elas se prevê a cumulação de um pedido prejudicial com um pedido dependente”.
      Para Vasco Pereira da Silva, o facto de o CPTA denotar uma “preferência” pela cumulação aparente de pedidos deve-se aos “traumas de infância” do Contencioso Administrativo, porque, ao considerar apenas situações de cumulação aparente, o legislador estava a pensar na realidade do anterior “recurso de anulação”, segundo o qual o tribunal apenas se podia limitar à anulação dos actos.
      Daí que a mudança de paradigma processual gere uma situação paradoxal: por um lado, o legislador estabelece que todos os pedidos são admissíveis mas, por outro, toma como medida dessa transformação o anterior recurso de anulação, pelo que qualifica tudo o que vá para além da simples anulação como uma verdadeira cumulação de pedidos. Dir-se-ia estarmos perante um acto falhado do legislador, de “hipervalorização” das situações de cumulação aparente de pedidos.
      Para além da questão da cumulação de pedidos, há ainda que distinguir duas situações jurídicas diferentes, que se encontram subjacentes às acções de impugnação de actos administrativos:
      - Os casos em que é trazido a juízo um acto administrativo que se encontra suspenso, situação em que o direito do particular é tutelado através do pedido de anulação do acto;
      - Os casos em que o acto administrativo trazido a juízo se encontra em execução ou já foi integralmente executado, situação em que a anulação do acto tem que ser acompanhada de pedidos de condenação da Administração Pública, sendo certo que esses pedidos se encontrariam numa situação de dependência do pedido principal, pelo que sempre existiria aqui uma situação de cumulação aparente.
      Abandonando o paradigma clássico, mediante a substituição do modelo do recurso de anulação pelo da acção de plena jurisdição, a reforma do Contencioso Administrativo estabelece agora que todos os pedidos necessários à tutela dos direitos das relações administrativas são admissíveis no processo declarativo, pelo que, nesta modalidade, é sempre possível a cumulação (aparente) do pedido de anulação do acto com o pedido de condenação ao restabelecimento da situação anterior (art. 4/2 al. a) e 47/2 al. b)). Note-se que só nos casos em que a execução do acto está suspensa é que o simples pedido de anulação satisfaz integralmente a pretensão do particular.
      Continua, no entanto, a prever-se a possibilidade de só se pedir a anulação, na fase declarativa, ficando a condenação da Administração para o processo executivo (art. 47/3 CPTA), só que só uma conduta negligente do particular poderia explicar uma opção deliberada por deixar para a execução aquilo que poderia obter logo na fase declarativa.
      Assim sendo, não faz muito sentido estabelecer que a condenação da Administração Pública à reposição da situação anterior, que é um pedido típico do processo declarativo, continue a ser feito também no processo executivo quando ele pode ser feito logo na acção administrativa especial. Das duas umas: ou esta norma do art. 47/3 CPTA caduca por falta de objecto ou, para lhe encontrar sentido útil, este só poderá ser o de entender que tal norma tem apenas que ver com situações especiais, de falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, o que poderá ser, nomeadamente, o caso de algumas acções de condenação à reparação de danos causados por autoridades públicas, em que não seja ainda possível, no processo declarativo, determinar com exactidão a totalidade do montante dos prejuízos sofridos, podendo esta vir a ser remetida para a execução.
Jerónimo Kopke Túlio
Aluno nº : 16317

Sem comentários:

Enviar um comentário