segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Acção Popular no Direito Contencioso Administrativo


O art.º 9/2 do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA), vem dispor em matéria de legitimidade activa o seguinte: " Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, bem como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais". 

Esta previsão vem estender o conceito de legitimidade activa no âmbito de processo administrativo[i] e permitir a intervenção de alguém no processo, que não faça parte da relação material que está em causa. Este mecanismo de extensão de legitimidade activa, tem em vista o exercício do direito de Acção Popular. 

A Acção Popular pode ser definida como um verdadeiro direito fundamental que permite a quem não é titular de um interesse pessoal e directo o acesso aos tribunais visando a defesa de certos interesses de toda a colectividade[ii], interesses esses que incidem sobre a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no n art. 52.°/3 da Constituição da República Portuguesa(CRP), bem como  outros interesses protegidos que a Lei 83/95 de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular, doravante LAP) vem definir no seu art.º 1/2 : "a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público". Podemos ter uma tutela preventiva (com especial enfoque para os procedimentos cautelares), correctiva e prossecutória, maxime indemnizatória.

A LAP vem deste modo concretizar o critério genérico de legitimidade do art.º 9/2 do CPTA, sendo que pela análise do seu art. 3º: "1 - São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda.
2 - São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição."
, é claro que não é exigível que exista um elemento de conexão, de uma qualquer situação de apropriação individual do interesse difuso lesado, como critério relevante para assegurar o exercício do direito de Acção Popular por qualquer cidadão[iii].

Quanto a associações e fundações, a sua legitimidade activa e passiva compreende os bens ou interesses cuja defesa se inclua expressamente no âmbito das suas atribuições ou dos seus objectivos estatutários, segundo um princípio de especialidade e de territorialidade.[iv]
A nível processual, a especificidade da Acção Popular exige uma tramitação especial, que vem regulada nos artigos 13º e ss. da LAP.

Existem, porém divergências quanto à classificação ou não da Acção Popular, enquanto forma de processo. MÁRIO AROSA DE ALMEIDA refere que a acção popular não é, em si mesma, uma forma de processo[v]. Refere como argumentos para sustentar esta linha de pensamento, o facto as pessoas e as entidades que são referidas no art.º 9/2 CPTA, disporem de legitimidade para recorrer a pretensões diversas que correspondem em si formas processuais diferentes: a acção administrativa comum e a acção especial. Considera o mesmo autor, que a tramitação especial da LAP, vem apenas introduzir um conjunto de especialidades ao modelo normal de tramitação a que os processos estão subordinados, não tendo por isso autonomia para se considerar uma forma "independente" de processo.
Já VIEIRA DE ANDRADE argumenta que o CPTA parece não qualificar as acções populares como tipos especiais de acções e designa estas como espécies qualificadas relativas a vários tipos de acções.[vi] Parece porém que o autor partilha da opinião que este tipo de acções configuram uma forma de processo, ao incluir as acções populares no elenco das formas de processo principal[vii]

O exercício do direito de Acção Popular, por partes daqueles que para tal têm legitimidade, é favorecido.
Prova disso é o facto de existir um regime especial de custas para tais acções - que determina a sua isenção. Refere o art.º 20 da LAP :

"Regime especial de preparos e custas
1 - Pelo exercício do direito de acção popular não são exigíveis preparos.
2 - O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido
.(...)"
Como é visível pela análise deste artigo, mesmo n
os casos de improcedência parcial do pedido não se exige o pagamento de custas. Este regime legal constitui um claro incentivo e convite à defesa e salvaguarda dos interesses materiais que se pretendem salvaguardar com a Acção Popular.


[i] Neste sentido, cfr CARLA AMADO GOMES, Contributo para o estudo das operações materiais da Administração Pública, Coimbra 1999, p. 377; VASCO PEREIRA DA SILVA, Ventos de mudança no contencioso administrativo, Coimbra, 2000, p. 85; e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de processo Administrativo, Almedina, 2010, p.224

[ii] Cfr MÁRIO CUNHA, A Acção Popular e o Contencioso Administrativo

[iii] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de processo Administrativo, Almedina, 2010, p.226

[iv]  cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, vol. I, Coimbra, 2004, p.162

[v] cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de processo Administrativo, Almedina, 2010, p. 227

[vi]  VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa - Lições, Almedina, 2010, p.152

[vii]  Idem p.174

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