sábado, 21 de maio de 2011

O Conteúdo da Sentença nas Acções de Condenação à Prática de Acto Devido

Há lugar a acção de condenação quando particular pretende fazer valer o seu direito a uma conduta por parte da administração e essa conduta não se verificou. Ou seja, há uma omissão de um acto administrativo que seria legalmente devido – pode estar em causa um acto administrativo de conteúdo favorável ao particular ou, simplesmente,  o dever legal de decidir.

O problema que aqui se coloca é o do conteúdo da sentença condenatória que emerge deste tipo de acção. Como é sabido, o tribunal pode condenar a administração ao acto devido. Mas em que termos? A administração julga de acordo com a discricionariedade; pode o tribunal substituir-se-lhe nesse juízo de mérito? A resposta tem de ser negativa, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

A discricionariedade administrativa é a margem de liberdade (mas não de arbítrio) concedida à Administração e que se justifica quer por razões e natureza prática quer por razões de natureza jurídica. De facto, uma norma geral e abstracta não pode, como é sabido, prever pormenorizadamente todas as situações da vida; é necessário que seja suficientemente aberta para ser minimamente abrangente. Por outro lado, legislar não é o mesmo que administrar.

A liberdade do acto discricionário é limitada por disposições legais, aquilo a que chamamos de elementos vinculados. A competência e o fim são exemplos de elementos vinculados, bem como os princípios constitucionais da actividade administrativa (como destaca Marcelo Rebelo de Sousa). Estes elementos permitem fiscalizar o conteúdo do acto. 

Os tribunais não controlam a actuação discricionária, só a legalidade. É importante ter em atenção onde acaba a legalidade e começa o mérito. As sentenças de condenação na pratica de acto devido não permitem ao tribunal que determine o conteúdo do acto em si. O tribunal pode (e deve) determinar apenas qual o âmbito e limites a que a administração está vinculada na tomada da decisão; deve indicar “a forma correcta do exercício do poder administrativo” (Vasco Pereira da Silva). 

Estas acções dão lugar a sentenças cujo conteúdo é relativamente indeterminado. A administração continua a poder exercer a sua própria valoração na concretização do poder discricionário que lhe é legalmente atribuído.

Sem prejuízo do que foi dito,  a determinação por parte do tribunal do âmbito e limites a observar na tomada da decisão, não se pode bastar com a mera enumeração dos elementos vinculados, sob pena de violação do princípio da tutela judicial plena e efectiva. A decisão do tribunal deve ser como que um meio caminho entre  a mera enumeração das vinculações legais e a decisão discricionária. O seu conteúdo não pode ser tão geral e abstracto como o da lei nem tão concreto que ponha em causa a margem de livre decisão da administração. Deve antes levar em conta a apreciação das circunstâncias do caso concreto, explicitando os critérios que se devem observar na tomada de decisão para aquela determinada situação. Pode, inclusivamente, indicar o que consideraria como sendo uma decisão justa e quais aquelas que poderiam ser violadoras das exigências legai. Este tipo de decisão permite prevenir e condicionar a actuação administrativa futura em relação àquele caso em concreto. Vasco pereira da Silva realça o papel activo que o tribunal toma neste tipo de sentenças, em contraposição a um papel “meramente reactivo”.

De ter em atenção são os casos de interpretação de conceitos indeterminados e os casos de discricionariedade técnica.  Se entendermos que estamos perante uma verdadeira discricionariedade, nada há a acrescentar ao que já foi dito. Por outro lado,  se entendermos que não estamos perante uma verdadeira discricionariedade, então aqui sim, o tribunal pode substituir-se à administração na tomada da decisão. A doutrina diverge.

No caso dos conceitos indeterminados,  Marcelo Rebelo de Sousa considera que se trata de verdadeira discricionariedade. Já Freitas de Amaral adopta uma posição diferente da da doutrina clássica e distingue dois tipos de conceitos discricionários: os conceitos classificatórios (de interpretação jurídica), em que não haverá margem de livre apreciação e os conceitos tipo, que permitirão ou não livre apreciação conforme forem ou não de valoração subjectiva.

Quanto à discricionariedade técnica, Fausto Quadros entende que não se trata de uma verdadeira discricionariedade. O autor diz que há apenas uma solução, simplesmente tem de ser determinada através de meios técnicos. Já Freitas do Amaral, considera que estamos perante uma discricionariedade em sentido próprio.

Atente-se ainda nos casos de auto-vinculação da administração. Se a administração desrespeitar a sua própria decisão de auto-vinculação, haverá ilegalidade? Freitas do Amaral considera que sim (argumentando com o principio da inderrogabilidade singular dos regulamentos), ao passo que Marcelo rebelo de Sousa discorda. Também aqui temos de saber qual deve ser o conteúdo da sentença condenatória, conforme a posição que sufragarmos.


Joana Teresa Lopes Fernandes


Bibliografia:


SILVA, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2009


AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo,  Almedina, 2007


SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Dom Quixote, 2008

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