Há lugar a acção de condenação quando particular pretende fazer valer o seu direito a uma conduta por parte da administração e essa conduta não se verificou. Ou seja, há uma omissão de um acto administrativo que seria legalmente devido – pode estar em causa um acto administrativo de conteúdo favorável ao particular ou, simplesmente, o dever legal de decidir.
O problema que aqui se coloca é o do conteúdo da sentença condenatória que emerge deste tipo de acção. Como é sabido, o tribunal pode condenar a administração ao acto devido. Mas em que termos? A administração julga de acordo com a discricionariedade; pode o tribunal substituir-se-lhe nesse juízo de mérito? A resposta tem de ser negativa, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.
A discricionariedade administrativa é a margem de liberdade (mas não de arbítrio) concedida à Administração e que se justifica quer por razões e natureza prática quer por razões de natureza jurídica. De facto, uma norma geral e abstracta não pode, como é sabido, prever pormenorizadamente todas as situações da vida; é necessário que seja suficientemente aberta para ser minimamente abrangente. Por outro lado, legislar não é o mesmo que administrar.
A liberdade do acto discricionário é limitada por disposições legais, aquilo a que chamamos de elementos vinculados. A competência e o fim são exemplos de elementos vinculados, bem como os princípios constitucionais da actividade administrativa (como destaca Marcelo Rebelo de Sousa). Estes elementos permitem fiscalizar o conteúdo do acto.
Os tribunais não controlam a actuação discricionária, só a legalidade. É importante ter em atenção onde acaba a legalidade e começa o mérito. As sentenças de condenação na pratica de acto devido não permitem ao tribunal que determine o conteúdo do acto em si. O tribunal pode (e deve) determinar apenas qual o âmbito e limites a que a administração está vinculada na tomada da decisão; deve indicar “a forma correcta do exercício do poder administrativo” (Vasco Pereira da Silva).
Estas acções dão lugar a sentenças cujo conteúdo é relativamente indeterminado. A administração continua a poder exercer a sua própria valoração na concretização do poder discricionário que lhe é legalmente atribuído.
Sem prejuízo do que foi dito, a determinação por parte do tribunal do âmbito e limites a observar na tomada da decisão, não se pode bastar com a mera enumeração dos elementos vinculados, sob pena de violação do princípio da tutela judicial plena e efectiva. A decisão do tribunal deve ser como que um meio caminho entre a mera enumeração das vinculações legais e a decisão discricionária. O seu conteúdo não pode ser tão geral e abstracto como o da lei nem tão concreto que ponha em causa a margem de livre decisão da administração. Deve antes levar em conta a apreciação das circunstâncias do caso concreto, explicitando os critérios que se devem observar na tomada de decisão para aquela determinada situação. Pode, inclusivamente, indicar o que consideraria como sendo uma decisão justa e quais aquelas que poderiam ser violadoras das exigências legai. Este tipo de decisão permite prevenir e condicionar a actuação administrativa futura em relação àquele caso em concreto. Vasco pereira da Silva realça o papel activo que o tribunal toma neste tipo de sentenças, em contraposição a um papel “meramente reactivo”.
De ter em atenção são os casos de interpretação de conceitos indeterminados e os casos de discricionariedade técnica. Se entendermos que estamos perante uma verdadeira discricionariedade, nada há a acrescentar ao que já foi dito. Por outro lado, se entendermos que não estamos perante uma verdadeira discricionariedade, então aqui sim, o tribunal pode substituir-se à administração na tomada da decisão. A doutrina diverge.
No caso dos conceitos indeterminados, Marcelo Rebelo de Sousa considera que se trata de verdadeira discricionariedade. Já Freitas de Amaral adopta uma posição diferente da da doutrina clássica e distingue dois tipos de conceitos discricionários: os conceitos classificatórios (de interpretação jurídica), em que não haverá margem de livre apreciação e os conceitos tipo, que permitirão ou não livre apreciação conforme forem ou não de valoração subjectiva.
Quanto à discricionariedade técnica, Fausto Quadros entende que não se trata de uma verdadeira discricionariedade. O autor diz que há apenas uma solução, simplesmente tem de ser determinada através de meios técnicos. Já Freitas do Amaral, considera que estamos perante uma discricionariedade em sentido próprio.
Atente-se ainda nos casos de auto-vinculação da administração. Se a administração desrespeitar a sua própria decisão de auto-vinculação, haverá ilegalidade? Freitas do Amaral considera que sim (argumentando com o principio da inderrogabilidade singular dos regulamentos), ao passo que Marcelo rebelo de Sousa discorda. Também aqui temos de saber qual deve ser o conteúdo da sentença condenatória, conforme a posição que sufragarmos.
Joana Teresa Lopes Fernandes
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2009
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2007
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Dom Quixote, 2008
Joana Teresa Lopes Fernandes
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2009
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2007
SOUSA, Marcelo Rebelo de, Direito Administrativo Geral, Dom Quixote, 2008
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