sábado, 21 de maio de 2011

O Acto Silente

Uma conduta omissiva por parte da administração pode, por vezes, dar origem a efeitos jurídicos. Estes efeitos têm origem numa ficção legal de que a administração actuou, quer no sentido pretendido pelo particular, quer no sentido oposto – o legislador previu as duas hipóteses. Quer num caso, quer noutro, estamos perante “actos tácitos” da administração. Mais precisamente, o Código de Procedimento Administrativo prevê duas possibilidades, na falta de acto devido: o deferimento tácito  e o indeferimento tácito (artigos 108º e 109º, respectivamente). Este regime teve em vista a defesa dos particulares, garantindo-lhes uma resposta por parte da Administração.

Antes da reforma administrativa, o acto tácito era, geralmente, de indeferimento. Assim, o particular teria a possibilidade recorrer de um acto ficcionado no sentido inverso ao da sua pretensão. Era uma solução que emergia de um contencioso meramente anulatório que só actuava pela negativa (através do recurso contencioso de anulação).

Com a reforma de 2002/2004, passámos a ter um contencioso de plena jurisdição, podendo o tribunal condenar a administração a suprir a sua omissão, através da Acção de Condenação à Prática de Acto Devido. O indeferimento tácito deixou de fazer sentido, embora se mantenha no C.P.A. A doutrina fala em derrogação tácita do art. 109º.

Os casos de deferimento tácito são excepcionais e encontram-se expressamente elencados na lei.  Se a administração nada diz, considera-se que decide no sentido da pretensão do particular, ficciona-se uma decisão favorável. Não têm como objectivo, obviamente, a impugnação dessa decisão, mas sim permitir ao particular a obtenção de uma resposta definitiva e favorável, nos casos em que havendo um dever legal de decidir, o prazo para essa decisão foi ultrapassado.

Resta saber se também faz sentido que haja lugar a Acção de Condenação à Prática de Acto Devido nos casos em que a lei prevê o deferimento tácito.

Mário Aroso de Almeida entende que o deferimento tácito origina um acto administrativo que resulta da lei. Ou seja, o acto existe e é favorável ao particular, pelo que não haverá qualquer interesse numa acção de condenação.

Já Vasco Pereira da Silva não afasta a possibilidade do deferimento tácito poder ser impugnado contenciosamente. Sem prejuízo da reforma do contencioso administrativo e de existir hoje uma jurisdição plena (que permite aos particulares reagir em tribunal às omissões da administração), o autor admite que o deferimento tácito dê lugar a um pedido de condenação, pelo menos, numa de duas situações: no caso desse deferimento tácito não corresponder exactamente às pretensões do particular, podendo ser considerado como “parcialmente desfavorável” ou no caso de relações jurídicas multilaterais, em que o deferimento é favorável apenas para alguns dos  sujeitos, mas não para todos.

Ressalva-se que a posição adoptada por Vasco Pereira da Silva, no sentido da desnecessidade do deferimento tácito face as actuais possibilidades de obter uma sentença de condenação na prática do acto não é propugnada por toda a doutrina. A utilidade do deferimento tácito não é pacífica. Daí que importe, ainda hoje, a análise do regime do acto silente e que tenham sido indicados os argumentos que o autor apresenta a favor da possibilidade de impugnação, não desconsiderando o facto de defender que a figura perdeu o relevo. 

Joana Teresa Lopes Fernandes



Bibliografia:


SILVA, Vasco Pereira, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, Almedina, 2009

ALMEIDA, Mário Aroso, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2009

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo,  Almedina, 2007

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