quinta-feira, 19 de maio de 2011

Contestação


 TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Acção Administrativa Especial
Processo n.º 345/05.14 BELSB


 EXMO. SENHOR
JUIZ PRESIDENTE DO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA

 Sua Excelência o Sr. Primeiro-Ministro José das Socas, com domicílio legal no Gabinete do Primeiro-Ministro, Rua da Imprensa à Estrela, nº 4, 1200-888 Lisboa, nos termos do art.87/1 CC, tendo sido citado de acordo com o artigo 81.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (de agora em diante, CPTA), vem apresentar a sua CONTESTAÇÃO, nos seguintes termos:


QUESTÕES PRÉVIAS

A.    DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL


A Petição de João Infeliz Àrasquinha (de agora em diante, A.) foi apresentada perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Porém, tendo sido demandado Sua Excelência o Sr. Primeiro-Ministro José das Socas (de agora em diante R.), o Tribunal competente é, nos termos do art.24/1/a)/iv) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (de agora em diante ETAF), o Supremo Tribunal Administrativo;
Estamos perante uma situação de incompetência do Tribunal, onde foi proposta a petição de A., o que resulta na remissão oficiosa da mesma, nos termos do art.14/1 CPTA;




B.     DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
A. invoca que estamos perante uma situação de cumulação legal, por força do art.4/1/b) CPTA e art.47/1 e 4/b) CPTA;
O art.4/1/b) CPTA refere quais os pressupostos alternativos para a cumulação, quando a causa de pedir é diversa: tal cumulação só é possível quando a apreciação dependa dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito;
Este artigo é, no entanto, a regra geral;
A. instaurou Acção Administrativa Especial de Impugnação do Acto Administrativo, o que conduz à aplicação do art.47/1 e 4/b) CPTA;
O art.47/1 CPTA exige que haja uma relação material de conexão para que seja possível uma cumulação legal;
O art.47/4/a) e b) CPTA explicita o que é a relação material de conexão;
A. alega o art.47/4/b) CPTA como base legal da cumulação de pedidos. Porém, este artigo exige o preenchimento de requisitos cumulativos: para existir uma cumulação válida têm de se verificar as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos fundamentos de Direito;
10º
Os fundamentos apresentados por A. na PI não se coadunam com esta exigência, tal como o recurso à Acção Especial Administrativa de Impugnação de Actos Administrativos para ambos os pedidos;
11º
Consequentemente, haverá absolvição da instância, nos termos do art.4/3 CPTA e 47/5 CPTA e, também, por força do art.89/1 g) e 2 CPTA, que qualifica a ilegalidade da cumulação como um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo;



QUANTO AO PEDIDO DE NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO

12º

A. peticiona a nulidade do acto administrativo de R., que aprova a redução dos salários dos funcionários públicos em 10%;

I - POR EXCEPÇÃO

A.    DA ILEGITIMIDADE DO RÉU

13º

A. refere que o acto de redução de 10% do salário dos funcionários públicos foi praticado por R. (artigo 2º PI);

14º

O acto em causa foi realizado pelo Governo, órgão colegial que integra a Administração Directa do Estado, e não por R.;

15º

R. é membro do Governo, nos termos do art.183/1 CRP;

16º

No entanto, a prossecução de tal acto não está no âmbito da sua competência individual, nos termos do art.201/1 CRP, sendo que não foi R., enquanto pessoa individual, que o praticou;

17º

A Petição foi, deste modo, proposta contra parte ilegítima, nos termos do art.10/2 CPTA, provocando um vício de ilegitimidade passiva;
18º
Consequentemente, por força do art.89/1/d) CPTA, tal constitui um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, que pode resultar numa absolvição da instância, por força do art.89/1/2 CPTA;
II – POR IMPUGNAÇÃO
A.    DA SITUAÇÃO DE GRAVE CARÊNCIA ECONÓMICA
19º
A. vem alegar, no artigo 16º da PI, estar em situação de grave carência económica;
20º
Tem sido entendimento jurisprudencial que a gravidade da situação de carência económica e dos danos dela derivada tem que ser apreciada segundo um critério de razoabilidade. Nem se exige uma situação de indigência, ou próxima dela, nem basta qualquer acréscimo de despesas em consequência dos danos sofridos. Só uma efectiva redução de ganhos do lesado, que afecte seriamente e de forma definitiva a possibilidade da satisfação das suas necessidades básicas, bem como daqueles que directamente de si dependem, justifica a providência. Há que confrontar a situação económica do requerente antes e depois do facto danoso, averiguando os rendimentos obtidos e contabilizando as despesas efectuadas, e verificar se, em consequência do evento danoso, o requerente ficou numa situação de manifesta insuficiência de rendimentos para viver dentro dois limites da dignidade humana. Não se deve atender ao nível de qualidade de vida que o requerente estava habituado a fazer, mas ao nível de qualidade mínima que deverá ser considerado para se ter uma vivência condigna . (Ac. Tribunal central administrativo do norte (7.12.04));
21º
A redução salarial de A. foi de €200, o que resultou num rendimento mensal de €1800;
22º
Esta retribuição é mais que o equivalente ao triplo do salário mínimo nacional, conforme dita o art.1/1 DL 143/2010. Não nos parece, analisando o enquadramento do modo de vida de A., que este esteja perante uma situação de grave carência económica, nem que tal se possa incluir na interpretação jurisprudencial do conceito em causa.


23º
O art. 59/1 CRP vem instituir o direito a uma justa retribuição do trabalho.  A retribuição deve assim ser conforme à quantidade de trabalho, à natureza do trabalho e à qualidade do trabalho, sendo que o trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder a um salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores;

24º

  De acordo com a posição do Prof. Dr. Gomes Canotilho, a retribuição deve garantir uma existência condigna, ou seja, deve assegurar não apenas o mínimo vital, mas também condições de vida, individuais e familiares, compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social do País. Uma das mais visíveis expressões deste princípio é o estabelecimento de um salário mínimo, bem como a sua actualização anual;

25º
Deste modo, o rendimento deve assegurar as condições de vida compatíveis com o nível de vida exigível em cada etapa do desenvolvimento económico e social do País. Tendo em conta que Portugal está a passar por uma crise económica , os interesses superiores do Estado sobrepõem-se ao principio do não retrocesso, e é constitucionalmente admissível  a redução salarial, se esta não puser em causa um modo de vida condigno exigível à época em questão;

26º
A diminuição salarial efectuada não viola o Principio da Igualdade, tendo os cortes salariais sido efectuados a nível transversal a todos os funcionários da função pública;



B.     DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO DIREITO AO TRABALHO
27º
A. vem alegar, também, nos arts. 30º e 32º da PI, ter havido violação do direito ao trabalho, consagrado no art.58 CRP;

28º
O artigo 58º da CRP , que trata do direito ao trabalho, dispõe:
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:
a) A execução de políticas de pleno emprego;
b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais.

29º

O Direito ao Trabalho reconhece aos cidadãos um direito a uma acção ou prestação do Estado, que constitui este numa verdadeira obrigação constitucional de actuar no sentido de que aquela pretensão obtenha satisfação efectiva, porém enquanto direito positivo, não confere um direito subjectivo a obter um concreto posto de trabalho, mas obriga o Estado a definir politicas de criação de postos de trabalho, bem como garantir formação cultural e técnica e valorização profissional, cujo incumprimento pode configurar uma omissão constitucional.




30º
O Direito ao Trabalho tem quatro dimensões:
a) liberdade de procurar emprego;
b) direito à igualde de acesso a quaisquer cargos ou tipos de trabalho;
c)direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho;
d)direito a não ser privado do posto de trabalho alcançado.
31º
Nenhuma destas incumbências do Estado e nenhuma destas dimensões foram postas em causa na redução salarial efectuada ao A.;

32º
A diminução do salário da função pública não corresponde ao despedimento do trabalhador nem a qualquer outro facto de discriminação;

33º
Tem, pelo contrário, como finalidade a possibilidade de manutenção dos inúmeros postos de trabalho existentes na função pública;

34º
Por isso mesmo, nestes termos, muito dificilmente se pode configurar tal situação como uma ofensa ao direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado (aproximando-se deste sentido Ac. Tribunal Central Administrativo Norte 5/3/2009);



35º
Esta questão da redução salarial tem suscitado, ainda, diversas discussões a nível doutrinário acerca da sua constitucionalidade;

36º
No entendimento de Raul Mota Cerveira, o Governo pode ser tentado a justificar a adopção da medida com base no instituto da colisão de direitos;

37º
Tiago Duarte, por sua vez, considera que há motivos justificados, de interesse público que podem fazer com que o TC permita a redução em causa;

38º
Jorge Bacelar Gouveia e Marcelo Rebelo de Sousa, defendem, ambos, que os cortes apenas estariam de acordo com o texto constitucional se fossem temporários;

39º
Paulo Otero lembra que ao princípio da proibição no retrocesso se sobrepõe o princípio da urgência e da necessidade de atenuar o défice público, exigências que são de análise urgente perante o panorama de crise mundial que se vive;

40º
Nesta situação, estamos perante uma colisão de diversos direitos e princípios que exigem uma ponderação dos mesmos, de forma a serem todos respeitados, sem se abandonar, totalmente, a tutela de um deles: a estabilidade económica do pais, o direito ao trabalho, o direito à retribuição e a paz social;

C.    DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
41º
É ainda alegado por A., no art.33º da PI, estar-se perante uma violação do princípio da dignidade humana, ao proceder-se à redução salarial;
42º
No entendimento do Prof. Paulo Otero, os direitos sociais pressupõem a existência de condições materiais condignas de vida, exigindo um rendimento mínimo que permita a satisfação das necessidades básicas de alimentação, vestuário e habitação, e ainda estruturas que garantam a saúde, a educação e o acesso á cultura por parte de todo o ser humano;

43º
Diz ainda este autor que a dignidade humana é um valor absoluto, cria uma obrigação universal de respeito entre todos os homens e por parte dos poderes públicos, assumindo o papel de fonte de deveres fundamentais e revelando-se insusceptível de derrogação ou limitação por quaisquer outros valores, interesses ou bens constitucionais, salvo na medida em que isso torne necessário para garantir um espaço de operatividade que salvaguarde a dignidade humana concorrente ou conflitual de outros seres humanos;
44º
Atendendo às circunstâncias económicas que o Estado português atravessa, é justificável que se reduzam os salários, de forma a garantir que ninguém perca o seu posto de trabalho: esta é a única forma de se respeitar, de facto, o direito ao trabalho, previsto no art.58/1 CRP, e, consequentemente, garantir o respeito pela dignidade da pessoa humana e pela sua subsistência;
45º
Neste sentido, concluímos que não existe uma violação da dignidade humana, tal como alegado no art.33º da PI, uma vez que o mínimo existencial está assegurado pela retribuição que A. aufere;

46º
Ainda, que a garantia de estruturas de saúde, educação e acesso à cultura não foi colocada em causa, uma vez que Portugal é um Estado Social que garante aos seus cidadãos o acesso livre e tendencialmente gratuito a estes serviços, configurados como direitos sociais e culturais, nos termos dos arts.64, 73 e 74 CRP;

QUANTO AO PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
47º
A. peticiona, ainda, a declaração de ilegalidade do acto administrativo de R., que aprova a construção do novo aeroporto de Lisboa, resultado de uma parceria público privada entre o Governo e a Sóbetão;


I - POR EXCEPÇÃO

A.    DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU

48º

Tal como foi alegado nos artigos 13º a 18º da presente Contestação, R. é, também neste pedido, parte ilegítima;

49º
Consequentemente, por força do art.89/1/d) CPTA, constitui-se um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, que pode resultar numa absolvição da instância, por força do art.89/1/2 CPTA;




B.     DA ILEGITIMIDADE ACTIVA DO AUTOR
50º
A. não é parte legítima, nos termos do art.9/1 CPTA, para intentar Acção Administrativa Especial de Impugnação de Acto Administrativo em relação a este pedido;
51º

O A. é, nestes termos, parte ilegítima quanto a este pedido, provocando um vício de ilegitimidade activa;

52º

Consequentemente, estamos perante um fundamento que obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do art.89/1/d) CPTA, o que pode resultar numa absolvição da instância, por força do art.89/1/2 CPTA.

C.    DA FORMA DE PROCESSO
53º
O recurso à acção popular, nos termos do art.9/2 CPTA e Art.2/1 Lei 83/95, seria muito mais pertinente e não levantaria questões em relação à ilegitimidade;
54º
A acção popular vem consagrada no art.52/3 CRP;

55º
Diz-nos Robin de Andrade que o direito de acção judicial conferido pelo direito de acção popular é um direito autónomo à prestação de uma actividade jurisdicional, por parte dos órgãos competentes do Estado, traduzindo-se na atribuição de um direito subjectivo. Estamos perante a defesa de interesses difusos, da colectividade, o que retira a necessidade de existir interesse individual e subjectivo do indivíduo - o interesse a prosseguir deve ser suficientemente difuso e geral para não se identificar com o interesse pessoal do seu agente, segundo Mariana Sotto Mayor;



56º

Assim sendo, A. poderia ter recorrido à acção popular, em vez de recorrer a uma Acção Administrativa Especial de Impugnação de Acto, na medida em que, nesta última, tem de se provar um interesse individual e legítimo para intentar a acção, o que não acontece, de todo, neste caso;

II – POR IMPUGNAÇÃO

57º

É ainda importante notar que, o critério da preferibilidade alegado no artigo 37º da PI não é um critério de decisão a que se deve recorrer, não conferindo qualquer tipo de legitimidade para a petição apresentada;



58º

Acresce, ainda, o facto de o acordo para a construção do aeroporto ter sido realizado previamente ao Acordo Troikado (Doc.4 da PI) e com a participação de fundos europeus consignados a este fim;

59º

Nestes termos, será muito mais prejudicial para o Estado português a suspensão da construção do aeroporto, devido à elevada cláusula de incumprimento presente no contrato que concessiona tal construção, do que terminar o projecto em consideração;

60º

Do mesmo modo, as consequências para o Estado português por utilização indevida de fundos comunitários são demasiado gravosas e penalizadoras, caso se venha a verificar tal suspensão;





61º

Assim, em nada aproveita ao Estado português e, consequentemente, aos seus cidadãos tal suspensão.



Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve o R. ser absolvido na instância, nos termos do nº1, alíneas d) e g) e do nº2 do art. 89.º do CPTA;
Ou, se assim não se entender, deve a presente acção ser julgada improcedente devido ao facto de os actos administrativos impugnados não sofrerem de nenhum dos invocados vícios de violação de lei fundamental e lei ordinária.



Junta: Procuração Forense (Doc.1); Documento Único de Cobrança (Doc.2);


Testemunhas:
- José das Socas, solteiro, portador do B.I. nº 1384982, emitido a 27/08/2001, pelo Arquivo de Lisboa, contribuinte fiscal nº 226133452, com domicílio legal no Gabinete do Primeiro-Ministro, Rua da Imprensa à Estrela, nº 4, 1200-888 Lisboa, Primeiro-Ministro de Portugal;  
- Jominho Miranda, casado, portador do B.I.nº1246987, emitido a 22/03/2000, pelo Arquivo de Lisboa, contribuinte fiscal nº 233505725, residente na Praceta do Poder Local, nº3-7ºDTO, 1700-174, Lisboa, constitucionalista.
A Advogada

____________________________
              ( Marta Teixeira dos Demónios)

DOC 1.
Procuração Forense

Sua Excelência o Sr. Primeiro-Ministro José das Socas, com domicílio legal no Gabinete do Primeiro-Ministro, Rua da Imprensa à Estrela 4, 1200-888 Lisboa, portador do Bilhete de Identidade n.º 15566932, emitido em 02/01/2008, em Lisboa, pelos Serviços de Identificação Civil, contribuinte fiscal n.º 120669953, constitui sua bastante procuradora a Sr. Dr.ª Marta Teixeira dos Demónios, advogada da Sociedade de Advogados Femina, Sociedade de Advogados, RL", com escritório na Avenida das Troikas, Estabilidade e Crescimento, n.º 8 - 12º, 3945-221 Lisboa, com cédula profissional n.º 62227984 e contribuinte fiscal n.º 198543675, a quem confere os mais amplos poderes forenses gerais, bem como os especiais para confessar, desistir e transigir do pedido ou da instância e ainda poderes de representação junto de quaisquer instituições, organismos ou entidades públicas, nacionais ou da União Europeia.


Lisboa, 19 de Maio de 2011


José das Socas
(Sr. Primeiro-Ministro José das Socas)

DOC 2.





Sem comentários:

Enviar um comentário