terça-feira, 24 de maio de 2011

Despacho Saneador II

Supremo Tribunal Administrativo


Processo n.º 123/Y

Na sequência do aperfeiçoamento da petição inicial pelo A., a convite do tribunal (nos termos do art. 88.º CPTA), cabe proferir despacho saneador das questões pendentes, verificando se foram sanadas as excepções que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
Verificaremos apenas se foram supridas as incorrecções que foram sujeitas a aperfeiçoamento, sendo que se, nos termos do n.º 4 do art. 88.º CPTA, estas não tiverem sido corrigidas, determinarão a absolvição da instância sem possibilidade de substituição da petição inicial.


DESPACHO SANEADOR

I.  Saneamento do Processo
O Tribunal é absoluta e relativamente competente.
Os RR. são parte legítima.
O A. é parte legítima em relação ao pedido de impugnação do acto administrativo de Abril de 2010 que aprovou a redução salarial dos funcionários públicos em 10%, e está devidamente representado.
A coligação é legal.

1.      Da falta de patrocínio judiciário
Sendo que o aperfeiçoamento da petição inicial levou, excepcionalmente, à alteração dos sujeitos demandados, é necessário que os RR. apresentem, no início da audiência, discussão e julgamento, o documento que ateste a concessão do patrocínio judiciário (o art. 79.º, n.º 2, CPC atribui ao juiz o poder de fixar este prazo de apresentação do documento).
A constituição de mandatário judicial é obrigatória nos termos do art. 11.º, n.º 1, CPTA., devendo a apresentação da procuração forense processar-se segundo o disposto no CPC. (art. 79.º, n.º 1 CPTA).

2.      Da ilegitimidade activa
Em relação ao pedido de condenação à prática do acto devido, ou seja, à suspensão da construção do novo aeroporto de Lisboa, no Campo de Tiro de Alcochete, o A. afirma que tem legitimidade com a seguinte fundamentação: “os artigos 68º nº 1 d) e artigo 9º nº 2 do CPTA conferem legitimidade ao autor para pedir a condenação da administração à prática de acto devido, João Infeliz Árasquinha é titular de um interesse difuso pois está em causa a ofensa de valores constitucionalmente protegidos nomeadamente no âmbito da organização económica contidos no artigo 81º nº 1 CRP” (art. 6.º da petição inicial aperfeiçoada).
O tribunal tem sérias dúvidas de que se possa considerar que as incumbências do Estado expressas no art. 81.º da Constituição da República Portuguesa preencham o conceito de “valores constitucionalmente protegidos”, mas não quer, desde já, tomar uma decisão peremptória. Para além disso, reconhece que existem outros valores constitucionalmente protegidos que poderiam ser invocados nesta situação. No entanto, apesar do disposto no art. 88.º, n.º 1, CPTA, que afirma que o juiz deve procurar corrigir as questões que possam obstar ao conhecimento do processo, sanando-as oficiosamente, o “valor constitucionalmente protegido” tem de ser alegado pelas partes.
Assim, será dada, mais uma vez, a oportunidade ao A. de, no início da audiência, convencer o tribunal de que existe, realmente, na Constituição, um valor protegido que é posto em causa na situação controvertida, de acordo com o princípio da cooperação como configurado no art. 266.º, n.º 2, CPC (ex vi do n.º 1 do art. 1.º CPTA).
Sendo que a ilegitimidade do A. obsta ao procedimento do processo (art. 89.º, n.º 1, al. d), CPTA), se este não conseguir conformar a convicção do tribunal, invocando aquilo que é necessário para lhe ser reconhecida legitimidade processual, o R. será absolvido da instância.
Assim, ao abrigo do disposto no art. 266.º, n.º 2, CPC o tribunal convida a parte a fornecer os esclarecimentos necessários para a verificação do preenchimento deste pressuposto processual no início da audiência, discussão e julgamento.

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Nos termos do art. 508.º-B CPC, ex vi art. 1.º CPTA, o juiz pode dispensar a realização de audiência preliminar quando, destinando-se esta a fixação da base instrutória, a simplicidade da mesma o justifique (art. 508.º-B, n.º 1, al. a)). Não havendo lugar à realização de audiência preliminar, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, o juiz deve seleccionar a matéria de facto no despacho saneador.
Assim, sendo que a causa não se parece revestir de manifesta dificuldade, dispensa-se a audiência preliminar.
Em aplicação do art. 511.º, existindo matéria de facto controvertida, procede-se à fixação dos factos assentes e da factualidade a provar:

II. Factualidade assente
A)
O Governo português pediu um empréstimo extraordinário, no mês de Abril, de 2010 ao FMI, BCE e Comissão da União Europeia (art. 7.º PI), tendo sido assinado o Acordo “Troikado”, constante do Doc.4, junto com a PI;
B)
O Governo português comprometeu-se perante as entidades referidas em A) a reduzir, se necessário, os ordenados em 10% em todos os empregos públicos (art. 8.º PI);
C)
O Ministro das Finanças emitiu o despacho constante do Doc. 22, a 20 de Maio de 2011, que autoriza a redução salarial de 10% para toda a função pública (art. 11.º PI).
D)
O A. foi contratado pelo Ministério da Economia para exercer a função de economista, em Janeiro de 2000 (arts. 7.º e 12.º PI);
D)
 O A. auferia a quantia de 2.000 euros por mês até Maio de 2011 (art. 13.º PI);
E)
 O A. sofreu uma redução de 10% no ordenado em Maio do mesmo ano passando a auferir 1.800 euros mês (art. 15.º PI);
F)
 As despesas familiares mensais do A. rondam os €2000, nos termos invocados na petição inicial (art. 16.º PI);
G)
 O A. incorreu em juros de mora nas prestações de crédito ao consumidor de 120 euros mês (art. 18.º PI);
H)
O Governo português comprometeu-se a suspender todas as despesas conducentes à realização de investimentos públicos extraordinários (art. 9.º PI);
I)
O Governo aprovou a 15 de Outubro de 2005 a construção de um novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (art. 45.º contestação do contra-interessado);
J)
O Governo comprometeu-se, no Acordo “Troikado” de 2011, a suspender a construção do segundo aeroporto de Lisboa (art. 9.º PI);
K)
O seminário Sol publicou uma notícia anunciando a não suspensão da construção no dia 6 de Maio de 2011 (art. 22.º PI);
L)
A 10 de Fevereiro de 2006 foi aberto concurso público para a adjudicação da obra, tenho sido celebrado contrato de empreitada com a “Sóbetão – Construções, SA., nos termos invocados na contestação dos contra-interessados (arts. 57.º a 62.º contestação do contra-interessado);
M)
O contra-interessado realizou os actos enunciados nos arts. 90.º a 94.º da sua contestação.


III. Base instrutória:
Não estão provados os seguintes factos, ainda que não tenham sido contestados, por aplicação do art. 83.º, n.º 4, CPTA:
1.º- Houve ou não suspensão da obra de construção do novo aeroporto de Lisboa (arts. 20.º a 23.º PI)?
2.º- O e-mail apresentado por Ana Rita Chiba, alegadamente de 1 de Maio de 2010, foi, de facto, enviado pelo Ministro das Obras Públicas nos termos descritos na petição inicial (arts. 24.º a 27.º PI)?
3.º- Os e-mails alegadamente trocados entre o contra-interessado e o Ministro das Obras-Públicas são verdadeiros (arts. 67.º e 68.º da contestação do contra-interessado)?
4.º- Houve ou não uma ordem de não suspensão da obra pelo Ministro das Obras-Públicas?
5.º- Falta apenas a conclusão de duas pistas e de um edifício de serviços administrativos na construção do novo aeroporto de Lisboa (art. 63.º contestação do contra-interessado)?
6.º- O contra-interessado não teria realizado as despesas provadas em M) se não tivesse celebrado o contrato de empreitada provado em L)?

Iv. Alterações do A. à petição inicial que não serão aceites:
Tendo em conta o princípio da igualdade entre as partes, e sendo que o aperfeiçoamento da petição inicial se realizou em condições absolutamente excepcionais, os juízes procuraram encontrar uma solução de consenso, ponderando o interesse de todas as partes envolvidas.
Assim sendo, considerou-se que o A. foi longe de mais no aperfeiçoamento da petição inicial, consubstanciando esta, praticamente, uma reformulação da mesma, inaceitável no presente processo.
Declaram-se, assim, rejeitados pelo tribunal, os seguintes artigos da petição inicial aperfeiçoada:
1-      Art. 10.º, no que diz respeito à subsidiariedade de outras medidas em relação à suspensão do aeroporto de Lisboa, por se traduzir numa alteração substancial dos factos que inutilizaria, de forma inaceitável, toda a estratégia de defesa dos RR.
2-      Arts. 32.º a 35.º, por não serem essenciais, nem sequer úteis, para a sanação de qualquer dos pressupostos processuais em causa, sendo apenas um aproveitamento abusivo do convite ao aperfeiçoamento para alterar as razões de direito invocadas;
3-      Arts. 44.º e 46.º, em consequência da rejeição do art. 10.º, por identidade de motivos.

Para além de tudo isto, pede-se ao A. que até às 14h de amanhã volte a apresentar a prova documental, por se encontrarem absolutamente ilegíveis na petição inicial aperfeiçoada.
Notifique.

Lisboa, 24 de Maio de 2011,

Os juízes,
Isabel Montalvão
Joana Fernandes
Mariana Oliveira
Jerónimo Kopke Túlio
Filipa Lemos Caldas

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