domingo, 22 de maio de 2011

Garantias dos particulares: meios de reacção contra abusos da Administração


De modo a fazer face aos abusos e ilegalidades cometidas pela Administração Pública foram criados determinados poderes jurídicos que funcionam como meios de protecção ao dispor dos particulares. As chamadas Garantias funcionam, assim, como meios criados pela ordem jurídica e que têm como principal objectivo evitar ou sancionar quer a violações do Direito Objectivo, quer as ofensas dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares.
As garantias ora são preventivas ou repressivas, conforme se destinem a evitar violações por parte da Administração Pública ou a sancioná-las, isto é, a aplicar sanções em consequência de violações cometidas. Dentro destas ainda existem as garantias da legalidade ou dos particulares, consoante tenham por objectivo primordial defender a legalidade objectiva contra actos ilegais da Administração, ou defender os direitos legítimos dos particulares contra as actuações da Administração Pública que as violem. A lei concretiza, claramente, a garantia dos particulares através de uma única garantia de legalidade – o recurso contencioso contra os actos ilegais da Administração – que funciona na prática como a mais importante garantia dos direitos e interesses legítimos dos particulares.
As garantias dos particulares dividem-se, por sua vez, em garantias políticas, garantias graciosas e garantias contenciosas.
As primeiras são garantias do ordenamento constitucional e não propriamente garantias subjectivas viradas para o cidadão. Pois, das garantias políticas dos participantes há só duas: o chamado Direito de Petição, previsto no art. 52º da CRP, quando exercido perante qualquer órgão de soberania, e o chamado Direito de Resistência, consagrado também na CRP, mas agora no seu art. 21º.
Já as garantias graciosas estão relacionadas com a actuação dos próprios órgãos da Administração activa, em prole da defesa da legalidade e boa administração. Enquanto “controles”, nas palavras do Prof. Diogo Freitas do Amaral, à disposição dos direitos e interesses dos particulares. Nestes termos, podemos afirmar que estas garantias são mais importantes e eficazes do que as acima referidas, face à maior protecção jurídica que é dada aos sujeitos. Porém, estas garantias graciosas não são totalmente satisfatórias, porque muitas vezes os órgãos da Administração Pública actuam tendo em conta critérios de eficiência na prossecução do interesse público e não o respeito pela legalidade ou pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares. Dentro das garantias graciosas dos particulares há que distinguir, por um lado, aquelas que funcionam como garantias da legalidade e as que funcionam como garantias de mérito; e, por outro lado, ainda existem as que funcionam como garantias de tipo petitório e as que funcionam como garantias de tipo impugnatório. Vejamos com algum pormenor estas duas últimas:
Quanto às garantias petitórias, estas assentam na existência de um pedido dirigido à Administração Pública para que considere as razões do particular e não pressupõe a prática de um acto administrativo prévio. Podemos elencar os seguintes tipos: O Direito de Petição consiste na faculdade de dirigir pedidos à Administração Pública para que tome determinadas decisões ou providências em falta, tem por base, assim, a falta de uma determinada decisão necessária. Contrariamente ao que sucede no Direito de Representação que pressupõe sempre a existência de uma decisão anterior. Com o Direito de Queixa pretende-se promover a abertura de um processo que culminará na aplicação de uma sanção a um agente administrativo pelo seu comportamento lesivo. O Direito de Denúncia consiste no acto através do qual o particular leva ao conhecimento de certa autoridade a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa situação sobre os quais tal autoridade tem a obrigação de investigar, fazendo parte do seu dever de ofício. A Oposição Administrativa pode ser definida como uma contestação que em certos processos administrativos graciosos os contra-interessados têm o direito de apresentar.
Já as garantias impugnatórias pressupõem a existência de um acto administrativo já praticado, e podem definir-se como os meios ao dispor dos particulares para impugnar esses actos perante autoridades da própria Administração Pública e mediante determinados fundamentos, como defende o Prof. Diogo Freitas do Amaral. As principais espécies de garantias impugnatórias são quatro:
-         Se a impugnação é feita perante o autor do acto impugnado, temos a reclamação;
-         Se a impugnação é feita perante o superior hierárquico do autor do acto impugnado, temos o recurso hierárquico;
-         Se a impugnação é feita perante autoridades que não são superiores hierárquicos do autor do acto impugnado, mas que são órgãos da mesma pessoa colectiva e que exercem sobre o autor do acto impugnado poderes de supervisão, estaremos perante recursos hierárquicos impróprios;
-        Finalmente, se a impugnação é feita perante uma entidade tutelar, então estaremos perante um recurso tutelar.

Ora, a Reclamação é o meio de impugnação de um acto administrativo perante o seu próprio autor, nos termos do art. 158º/2 alínea a) do CPA, com um carácter facultativo, pelo disposto no nº1 art. 160º. Esta garantia fundamenta-se na circunstância dos actos administrativos poderem, em geral, ser revogados pelo órgão que os tenha praticado. O prazo de interposição é de quinze dias, conforme dispõe o art. 162º CPA. Os efeitos são aqueles que vêm elencados nos números constantes do art. 163º do CPA. 
O decreto-lei n.º 256-A/77 veio instituir a reclamação necessária que deixou de ser um meio de impugnação facultativo, para se tornar num meio de impugnação necessário, no sentido de que constituía condição “sine qua non” do recurso contencioso. Pode-se acrescentar ainda que a reclamação não interrompe nem suspende os prazos legais de impugnação do acto administrativo, sejam eles de recurso gracioso ou contencioso.

O Recurso Hierárquico consiste num meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido (art. 166º/2 CPA). Em primeiro lugar, e atendendo aos fundamentos com que se pode apelar para o superior hierárquico do órgão que praticou o acto recorrido, o recurso hierárquico pode ser de legalidade, de mérito, ou misto. Os recursos hierárquicos de legalidade são aqueles em que o particular pode alegar como fundamento do recurso a ilegalidade do acto administrativo impugnado; os recursos de mérito são aqueles em que o particular pode alegar, como fundamento, a inconveniência do acto impugnado e, finalmente, os recursos mistos são aqueles em que o particular pode alegar, simultaneamente, a ilegalidade e a inconveniência do acto impugnado. A regra geral no nosso Direito Administrativo é a de que os recursos hierárquicos têm normalmente carácter misto, ou seja, são recursos em que a lei permite que os particulares invoquem quer motivos de legalidade, quer motivos de mérito, quer uns e outros simultaneamente. Existe ainda uma outra classificação de recursos hierárquicos entre necessários ou facultativos, conforme dispõe o art. 167º nº1 CPA, consoante a sua utilização desse indispensável ou não para atingir um acto verticalmente definitivo do qual se possa recorrer contenciosamente. O recurso hierárquico é sempre dirigido à autoridade ad quem, pois é a esta que se formula o pedido de reapreciação do acto recorrido.
Mas nem sempre o recurso tem de ser interposto junto do órgão a quo, o qual o fará depois seguir para a entidade ad quem, a fim de que esta o julgue (art. 169º/2 CPA). O recorrente tem assim um direito de optar por apresentar o recurso na autoridade a quo ou na autoridade ad quem.
Quanto ao prazo de interposição, este varia consoante se trate de um recurso necessário ou facultativo. Se se tratar de um recurso hierárquico necessário, vigora o disposto no art. 168º/1 CPA, fixando um prazo de trinta dias; se este não for interposto dentro do prazo, o recurso contencioso que se venha depois a interpor do acto pelo qual o superior decida o recurso hierárquico, será extemporâneo e, consequentemente, rejeitado por ter sido interposto fora do prazo. Se for um recurso hierárquico facultativo, não há prazo para o interpor, o que sucede é que é mais favorável que o particular o faça logo no início do prazo para o recurso contencioso, porque tem toda a vantagem em que o recurso hierárquico facultativo seja decidido antes de expirar o prazo para a interposição do recurso contencioso, segundo o disposto no art. 168º/2 CPA. A interposição do recurso hierárquico produz um certo número de efeitos jurídicos, dos quais os mais importantes são o efeito suspensivo e o efeito devolutivo (art. 170º CPA). O “efeito suspensivo” consiste na suspensão automática da eficácia do acto recorrido: havendo efeito suspensivo, o acto impugnado, mesmo que fosse plenamente eficaz, e até executório, perde a sua eficácia, incluindo a executoriedade, e fica suspenso até à decisão final do recurso; só se esta for desfavorável ao recorrente, confirmando o acto recorrido, é que este acto recobra a sua eficácia plena. A regra no nosso Direito é que os recursos hierárquicos necessários têm efeito suspensivo ao passo que os facultativos não o têm. Quanto ao “efeito devolutivo”, considera-se que na atribuição ao superior da competência dispositiva que, sem o recurso, pertence como competência própria ao subalterno. O recurso hierárquico dá lugar a três tipos de decisão possível (art. 174º CPA):

a)   Rejeição do recurso: dá-se quando o recurso não pode ser recebido por questões de forma (falta de legitimidade, por exemplo)

b)   Negação do provimento: dá-se quando o julgamento do recurso, versando sobre a questão de fundo, é desfavorável ao ponto de vista do recorrente. Equivale à manutenção do acto recorrido.
c)    Concessão do provimento: dá-se quando a questão de fundo é julgada favoravelmente ao pedido do recorrente. Pode originar a revogação ou a substituição do acto recorrido.

O prazo de decisão de um recurso hierárquico é de trinta dias (art. 175º CPA). No âmbito da decisão, o superior hierárquico pode sempre, com fundamento nos poderes hierárquicos, confirmar ou revogar o acto recorrido ou, ainda, declarar a respectiva nulidade; a menos que a competência do autor do acto não seja exclusiva, o superior hierárquico pode também modificar os substituir aquele acto (art. 174º CPA).
Os Recursos Hierárquicos Impróprios podem definir-se como recursos administrativos mediante os quais se impugna um acto praticado por um órgão de certa pessoa colectiva pública perante outro órgão da mesma pessoa colectiva, que, não sendo superior do primeiro, exerça sobre ele poderes de supervisão (art. 76º CPA). Trata-se de recursos administrativos que não são recursos hierárquicos, porque o órgão “ad quem” não é superior hierárquico do órgão “a quo”, mas que também não são recursos tutelares, porque os dois órgãos, “a quo” e “ad quem”, são aqui órgãos da mesma pessoa colectiva pública. Sempre que se esteja perante um recurso administrativo a interpor de um órgão de uma pessoa colectiva pública, sem que entre eles haja relação hierárquica, está-se perante um recurso hierárquico impróprio.
O Recurso Tutelar é o recurso administrativo mediante o qual se impugna um acto da pessoa colectiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa colectiva pública que sobre ela exerça poderes tutelares ou de superintendência (art. 177º/1 CPA). Os seus fundamentos são a ilegalidade ou o demérito do acto administrativo (arts. 159º e 167º/2 CPA). Geralmente é um recurso com natureza facultativa (art. 177º/2 CPA), isto porque existem alguns casos de recursos tutelares necessários. Tem uma natureza excepcional, só existindo quando a lei expressamente o previr (art. 177º/2 CPA). Sendo a sua aplicação subsidiária às regras relativas ao recurso hierárquico (art. 177º/5 CPA).

As garantias jurisdicionais ou contenciosas são as garantias que se efectivam através da intervenção dos Tribunais Administrativos, representando, assim, a forma mais elevada e mais eficaz de defesa dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares. Na nossa lei faz-se referência ao contencioso dos actos administrativos, da responsabilidade da Administração, e dos direitos e interesses legítimos dos particulares. Os dois primeiros correspondem àquilo que a doutrina chama, o contencioso administrativo por natureza, enquanto os outros correspondem àquilo a que a doutrina chama o contencioso administrativo por atribuição. O contencioso administrativo por natureza é o contencioso administrativo essencial, aquele que corresponde à essência do Direito Administrativo. A estas duas modalidades de contencioso administrativo – contencioso por natureza e contencioso por atribuição – correspondem dois meios contencioso típicos: o recurso e a acção, respectivamente. Não obstante os Tribunais Administrativos constituírem a jurisdição comum com competência em matéria de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas, não constituem uma jurisdição exclusiva no que respeita aos conflitos emergentes de tais relações. A lei atribui aos Tribunais Judiciais a resolução de diversos tipos de litígios decorrentes de relações jurídicas desta espécie. O recurso contencioso de anulação, quando interposto por particulares que sejam titulares de um interesse directo, pessoal e legítimo, tem uma função, predominantemente, subjectiva. Já o recurso contencioso de anulação, quando interposto pelo Ministério Público ou pelos titulares do Direito de acção popular, tem uma função, predominantemente, objectiva. As acções administrativas, no âmbito do contencioso administrativo por atribuições, têm uma função predominante subjectiva. Pelo disposto no art. 268º/4 CRP observamos que o contencioso administrativo desempenha hoje uma função, predominantemente, subjectiva, salvo quanto aos recursos interpostos pelo Ministério Público e, em parte, também quanto à acção popular.

Os sistemas possíveis, em matérias de órgãos competentes para conhecer das questões litigiosas entre a Administração Pública, são três:


-        O sistema do administrador-juiz;
-        O sistema dos Tribunais Administrativos;
-        O sistema dos Tribunais Judiciais.



Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas do
Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina
Direito Administrativo II, III, IV.


Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., ed.
Almedina, Coimbra, 2005

Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos, 3ª ed., ed. Almedina, Coimbra, 2010

Diogo Freitas do Amaral/Mário Aroso de Almeida, Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, 3ª ed., ed. Almedina, Coimbra, 2004

José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 10ª ed., ed. Almedina, Coimbra, 2009

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