sexta-feira, 29 de abril de 2011

Questões de contencioso tributário (Parte I) - Natureza jurídica

Questões de contencioso tributário (Parte I)

Natureza jurídica

A doutrina e jurisprudência fiscais portuguesas têm vindo a debruçar-se sobre a questão da natureza jurídica do contencioso tributário. Estamos perante um contencioso declarativo de simples apreciação negativa, em que os poderes do juiz se reduzem à mera declaração da inexistência de uma obrigação de imposto (natureza declarativa) ou antes perante um contencioso de declaração verdadeiramente constitutivo, em que o acto final judicial poderá consistir na anulação do acto tributário (natureza constitutiva)? Questiona-se ainda, nos dois lados da discussão, se não é possível identificar ainda uma componente condenatória enxertada na natureza deste sistema processual.

Os apoiantes das testes da simples apreciação, tenderão a identificar o objecto do processo com a relação jurídica tributaria, enquanto que os autores que defendem a natureza constitutiva do processo tributário deverão sustentar a limitação do objecto do processo ao acto tributário impugnado.
Perante a insuficiência de elementos literais, ALBERTO XAVIER centrou a sua análise no protagonismo do acto tributário ao longo do processo, para concluir pela sua natureza constitutiva, assim como RODRIGUES PARDAL. Os argumentos que sustentam esta posição são a importância funcional que o acto tributário tem durante o processo, servindo a sua notificação como termo a quo para a contagem do prazo de impugnação; assim como o facto de as teses de simples apreciação negativa serem obrigadas a sustentar a subsistência do acto tributário após a sentença que reconheça o direito do contribuinte e por não conseguirem explicar a existência de prazos de caducidade do direito de impugnar, que apenas se entendem reconhecendo eficácia constitutiva ao acto tributário e a necessidade da sua estabilidade.

ALBERTO XAVIER, assentada a natureza constitutiva do contencioso tributário, limita ainda os contornos da apreciação da legalidade do acto tributário, recusando a tese segundo a qual o juiz tributário se debruçaria sobre o mérito da actividade administrativa, por percorrer zonas de discricionariedade.
SALDANHA SANCHES segue também a linha iniciada por ALBERTO XAVIER e defende a natureza constitutiva do contencioso tributário. No entanto, vai mais alem ao defender que este contencioso é de plena jurisdição e não de mera anulação (Anotação ao Acórdão STA de 16 de Maio de 2001). Mas a verdade é que o contencioso de plena jurisdição não se opõe em termos absolutos a um contencioso de anulação. E, assim sendo, tendo em conta que ALBERTO XAVIER atribuía, na terminologia empregue por VASCO PEREIRA DA SILVA, efeitos anulatórios, repristinatórios e efeitos conformativos ao contencioso de anulação, podemos concluir que a tese defendida é compatível com a plena jurisdição. Em sentido divergente, o conceito de plena jurisdição na tese de SALDANHA SANCHES parece referir-se à possibilidade de o juiz tributário rever e substituir o acto tributário.

Assim, onde os autores divergem claramente é na possibilidade – atribuída por SALDANHA SANCHES e negada por ALBERTO XAVIER (e LIMA GUERREIRO) – de as sentenças do juiz tributário substituírem o acto impugnado por um outro, mais adequado à lei fiscal. SALDANHA SANCHES avança o contencioso de mérito como superação ao contencioso de legalidade; porém, o contencioso tributário é sempre de legalidade, ainda que o juiz tenha de debruçar-se sobre as questões de quantificação, questões estas que não pertencem ao mérito do acto e à sua discricionariedade, sendo antes áreas tecnicamente densas, mas estritamente vinculadas.
Esta oposição exigiria uma terminologia nova, para distinguir entre um contencioso de anulação (e repristinação e conformação) e um contencioso de substituição.

SALDANHA SANCHES sustenta a sua posição a partir da premissa da revogação parcial do acto tributário que, na sua opinião, não se explica através da divisibilidade do acto; segundo este autor, o juiz tributário emite uma decisão dual: anula parte do acto, numa perspectiva negativa, e retoma a parte do seu conteúdo material, numa perspectiva positiva. O autor vai ainda mais além ao permitir ao juiz ordenar as diligências de prova para uma decisão que ultrapasse as insuficiências de fundamentação de um acto que a Administração Tributária poderia praticar, mas não soube alicerçar.

Entendemos que o sistema contencioso tributário consagrado na lei positiva é, no que toca ao meio processual principal da impugnação judicial, de anulação, repristinação e conformação, mas não de substituição e que os casos de revogação parcial se referem, de facto, a casos em que o acto tributário é divisível. O contencioso tributário comporta também componentes de simples apreciação (declaração) e intimação (condenação), mas ambas as vertentes não parecem afectar esta conclusão.

Existe então uma forte relação funcional entre o contencioso tributário e a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Com efeito, entendemos que a protecção dos direitos subjectivos dos particulares afectados pela actividade administrativa ilegal é feita pela norma jurídica em homenagem aos interesses individuais do contribuinte, e não apenas para tutelar o interesse público. E assim sendo, a discussão judicial deve ficar necessariamente limitada pelo objecto do processo proposto pelo contribuinte, não se destinando a mesma a determinar, para o futuro, os contornos da relação jurídica tributária subjacente (art.114º CPPT).

A pretensão levada a juízo pelo contribuinte nunca se refere à determinação judicial dos contornos da relação jurídica tributaria estabelecida com a Administração Fiscal, mas antes surge funcionalizada à lesão de um direito ou interesse legalmente protegido. Assim sendo, parece que as diligencias probatórias do juiz estão limitadas e funcionalizadas ao pedido formulado pelo contribuinte e nunca a um novo objecto processual, resultante de uma criação judicial.

Em resumo, o contencioso tributário português é configurado através da tripla componente constitutiva, declarativa e condenatória, sendo certo que a primeira delas abarca efeitos anulatórios, repristinatórios e conformativos. É neste sentido que se afirma que o contencioso tributário português é de plena jurisdição, sem que com isso se reconheça ao respectivo juíz poderes para substituir o acto administrativo impugnado por um outro. Esta opção baseia-se na funcionalização do contencioso tributário à tutela dos direitos e interesses dos contribuintes.
                                                           
                                                    
MONICA SILVA, nº17472
4ºAno, Subturma 7

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