sexta-feira, 29 de abril de 2011

Questões de contencioso tributário (Parte I) - Natureza jurídica

Questões de contencioso tributário (Parte I)

Natureza jurídica

A doutrina e jurisprudência fiscais portuguesas têm vindo a debruçar-se sobre a questão da natureza jurídica do contencioso tributário. Estamos perante um contencioso declarativo de simples apreciação negativa, em que os poderes do juiz se reduzem à mera declaração da inexistência de uma obrigação de imposto (natureza declarativa) ou antes perante um contencioso de declaração verdadeiramente constitutivo, em que o acto final judicial poderá consistir na anulação do acto tributário (natureza constitutiva)? Questiona-se ainda, nos dois lados da discussão, se não é possível identificar ainda uma componente condenatória enxertada na natureza deste sistema processual.

Os apoiantes das testes da simples apreciação, tenderão a identificar o objecto do processo com a relação jurídica tributaria, enquanto que os autores que defendem a natureza constitutiva do processo tributário deverão sustentar a limitação do objecto do processo ao acto tributário impugnado.
Perante a insuficiência de elementos literais, ALBERTO XAVIER centrou a sua análise no protagonismo do acto tributário ao longo do processo, para concluir pela sua natureza constitutiva, assim como RODRIGUES PARDAL. Os argumentos que sustentam esta posição são a importância funcional que o acto tributário tem durante o processo, servindo a sua notificação como termo a quo para a contagem do prazo de impugnação; assim como o facto de as teses de simples apreciação negativa serem obrigadas a sustentar a subsistência do acto tributário após a sentença que reconheça o direito do contribuinte e por não conseguirem explicar a existência de prazos de caducidade do direito de impugnar, que apenas se entendem reconhecendo eficácia constitutiva ao acto tributário e a necessidade da sua estabilidade.

ALBERTO XAVIER, assentada a natureza constitutiva do contencioso tributário, limita ainda os contornos da apreciação da legalidade do acto tributário, recusando a tese segundo a qual o juiz tributário se debruçaria sobre o mérito da actividade administrativa, por percorrer zonas de discricionariedade.
SALDANHA SANCHES segue também a linha iniciada por ALBERTO XAVIER e defende a natureza constitutiva do contencioso tributário. No entanto, vai mais alem ao defender que este contencioso é de plena jurisdição e não de mera anulação (Anotação ao Acórdão STA de 16 de Maio de 2001). Mas a verdade é que o contencioso de plena jurisdição não se opõe em termos absolutos a um contencioso de anulação. E, assim sendo, tendo em conta que ALBERTO XAVIER atribuía, na terminologia empregue por VASCO PEREIRA DA SILVA, efeitos anulatórios, repristinatórios e efeitos conformativos ao contencioso de anulação, podemos concluir que a tese defendida é compatível com a plena jurisdição. Em sentido divergente, o conceito de plena jurisdição na tese de SALDANHA SANCHES parece referir-se à possibilidade de o juiz tributário rever e substituir o acto tributário.

Assim, onde os autores divergem claramente é na possibilidade – atribuída por SALDANHA SANCHES e negada por ALBERTO XAVIER (e LIMA GUERREIRO) – de as sentenças do juiz tributário substituírem o acto impugnado por um outro, mais adequado à lei fiscal. SALDANHA SANCHES avança o contencioso de mérito como superação ao contencioso de legalidade; porém, o contencioso tributário é sempre de legalidade, ainda que o juiz tenha de debruçar-se sobre as questões de quantificação, questões estas que não pertencem ao mérito do acto e à sua discricionariedade, sendo antes áreas tecnicamente densas, mas estritamente vinculadas.
Esta oposição exigiria uma terminologia nova, para distinguir entre um contencioso de anulação (e repristinação e conformação) e um contencioso de substituição.

SALDANHA SANCHES sustenta a sua posição a partir da premissa da revogação parcial do acto tributário que, na sua opinião, não se explica através da divisibilidade do acto; segundo este autor, o juiz tributário emite uma decisão dual: anula parte do acto, numa perspectiva negativa, e retoma a parte do seu conteúdo material, numa perspectiva positiva. O autor vai ainda mais além ao permitir ao juiz ordenar as diligências de prova para uma decisão que ultrapasse as insuficiências de fundamentação de um acto que a Administração Tributária poderia praticar, mas não soube alicerçar.

Entendemos que o sistema contencioso tributário consagrado na lei positiva é, no que toca ao meio processual principal da impugnação judicial, de anulação, repristinação e conformação, mas não de substituição e que os casos de revogação parcial se referem, de facto, a casos em que o acto tributário é divisível. O contencioso tributário comporta também componentes de simples apreciação (declaração) e intimação (condenação), mas ambas as vertentes não parecem afectar esta conclusão.

Existe então uma forte relação funcional entre o contencioso tributário e a tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Com efeito, entendemos que a protecção dos direitos subjectivos dos particulares afectados pela actividade administrativa ilegal é feita pela norma jurídica em homenagem aos interesses individuais do contribuinte, e não apenas para tutelar o interesse público. E assim sendo, a discussão judicial deve ficar necessariamente limitada pelo objecto do processo proposto pelo contribuinte, não se destinando a mesma a determinar, para o futuro, os contornos da relação jurídica tributária subjacente (art.114º CPPT).

A pretensão levada a juízo pelo contribuinte nunca se refere à determinação judicial dos contornos da relação jurídica tributaria estabelecida com a Administração Fiscal, mas antes surge funcionalizada à lesão de um direito ou interesse legalmente protegido. Assim sendo, parece que as diligencias probatórias do juiz estão limitadas e funcionalizadas ao pedido formulado pelo contribuinte e nunca a um novo objecto processual, resultante de uma criação judicial.

Em resumo, o contencioso tributário português é configurado através da tripla componente constitutiva, declarativa e condenatória, sendo certo que a primeira delas abarca efeitos anulatórios, repristinatórios e conformativos. É neste sentido que se afirma que o contencioso tributário português é de plena jurisdição, sem que com isso se reconheça ao respectivo juíz poderes para substituir o acto administrativo impugnado por um outro. Esta opção baseia-se na funcionalização do contencioso tributário à tutela dos direitos e interesses dos contribuintes.
                                                           
                                                    
MONICA SILVA, nº17472
4ºAno, Subturma 7

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O Princípio da Livre Cumulação de Pedidos

A cumulação de pedidos é um importante instrumento de simplificação do acesso à justiça podendo deste modo ser visto como um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Efectivamente, a possibilidade de se proceder à cumulação de pedidos, eliminando a necessidade de se ter de lançar mão a sucessivos meios processuais, com diferentes pretensões mas englobadas todas na mesma relação jurídica material controvertida é uma efectivação plena da tutela jurisdicional efectiva.
Esta é permitida no artigo 4º do CPTA, nas disposições gerais, e pelo artigo 47º CPTA a propósito da acção administrativa especial.
A ideia de cumulação de pedidos não se manifesta apenas no momento inicial da propositura da acção, prolongando-se também ao longo da subsistência do processo, admitindo-se assim a ideia de cumulação sucessiva (não obstante implicar a modificação objectiva da instância).
Nos termos do artigo 5º CPTA, o facto de determinadas pretensões deverem ser deduzidas em processo comum e outras estarem sujeitas a forma de processo especial, não obsta a que haja um caso de cumulação.
Vejamos agora hipóteses de cumulação:
Os pedidos de condenação da Administração por danos resultantes de actos ilegais podem ser fundados na responsabilidade civil da Administração (decorre de acto ilegal como facto ilícito). Este pedido pode ser cumulado no processo de impugnação, que é dirigido à anulação ou à declaração de nulidade de actos ilegais. Tal resulta dos artigos 4º nº 2 al. f) e 47º nº 1 CPTA.
Há também a hipótese de, por antecipação, se cumularem no processo de impugnação de actos administrativos ilegais, pretensões dirigidas ao restabelecimento da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado (nos termos do artigo 4º nº 2 a) CPTA) e o cumprimento de deveres que a Administração não tenha cumprido com fundamento no acto impugnado (47º nº 2 a) CPTA). Tal é admitido pelo princípio da economia processual, pelo qual, através da pretensão anulatória sejam cumuladas outras pretensões cuja procedência dependa daquela e que possam ser, dessa forma, diferidas em conjunto.
Os particulares têm ainda a possibilidade, nos termos do artigo 47º nº3 CPTA, de cumular, no âmbito do processo de impugnação de actos administrativos ilegais, um pedido que imponha à Administração a prática dos actos e operações que, após a anulação, sejam devidos para reconstituir a situação que deveria existir se o acto não fosse anulável. Então, sempre que a anulação do acto não seja só por si suficiente para que seja restabelecida a situação do interessado, ela passa a poder ser acompanhada pela condenação à prática dos actos jurídicos e operações materiais que forem devidos e pelo cumprimento dos deveres que são impostos à Administração por efeito da anulação (podendo neste caso ser fixado um prazo para o cumprimento desses deveres e uma sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o cumprimento, tal como refere o artigo 44º CPTA).
A cumulação também é admitida nas situações de uma acção dirigida à condenação da Administração à prática de um acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido (artigo 66º e seguintes CPTA), nomeadamente no que toca a um pedido de indemnização pelos danos resultantes da recusa ou omissão ilegal (artigo 4º nº2 f) CPTA), a um pedido de condenação da Administração à adopção dos actos jurídicos e à realização das operações materiais que não teria omitido se tivesse adoptado o acto devido quando pretendido (tal significa uma reconstituição hipotética, artigo 4º nº2 c) CPTA).
Se olharmos a um processo em que se impugne um acto administrativo e ainda se peça a reconstituição da situação actual hipotética, assim como a reparação dos danos causados, é ainda possível cumular o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da eventual norma emanada no exercício da função administrativa, na qual aquele acto se tenha baseado, nos termos do artigo 73º CPTA. Para tal, será necessário que estejam preenchidos os pressupostos referidos no artigo.
Uma cumulação admissível e que merece relevância no Contencioso Administrativo é ainda aquele em que se verifica um pedido de condenação da Administração à pratica de um acto administrativo, com o pedido de anulação de um acto administrativo que tenha sido ilegalmente praticado, nos termos do artigo 4º nº2 c) e 47º nº2  a) CPTA. Tal cumulação não é necessária no caso de o acto ter sido expressamente recusado, de acordo com os artigos 51º nº4 e 66º nº 2 CPTA. Tal cumulação interessa quando o conteúdo pretendido do interessado se contraponha a um acto administrativo de conteúdo positivo que tenha introduzido uma modificação em favor de terceiro, em detrimento das pretensões do interessado, que pretendia ser o beneficiário. Pode então o interessado pedir a anulação do acto positivo, pretendo a sua substituição, e simultaneamente solicitar ao tribunal a condenação da Administração à prática do acto de substituição.
Em matéria contratual, é possível cumular-se no processo de impugnação de um acto administrativo praticado no âmbito de um procedimento pré-contratual, o pedido de anulação ou declaração de nulidade do contrato cuja validade dependa desse acto (artigo 4º nº2 d) e 47º nº2 c) CPTA).
Concluindo, a cumulação de pedidos, tal como refere o Professor Doutro Vasco Pereira da Silva, é uma forma que permite, do lado dos particulares, assegurar um acesso efectivo destes à justiça administrativa e, do lado do tribunal, vai implicar uma maior capacidade de adaptação do juiz para adequação do processo às necessidades práticas. Além disso, por poder tornar o processo moroso, pela sua complexidade, esta é apenas uma faculdade que o CPTA confere, que deve ser usada pelo autor, em função das sua pretensões e expectativas nelas depositadas.

O âmbito orgânico da justiça administrativa: a jurisdição administrativa



1 – Introdução
Organicamente, a justiça administrativa compreende exclusivamente a resolução das questões de direito administrativo que sejam atribuídas à ordem judicial dos tribunais administrativos.
Este critério não teria relevância se houvesse uma correspondência biunívoca entre justiça materialmente administrativa e jurisdição administrativa. Isto é, a relevância do critério orgânico para a determinação do âmbito da justiça administrativa depende da não atribuição, à jurisdição administrativa, da competência de conhecer de todas as questões de direito administrativo.
Portanto, resta-nos saber qual o alcance da definição material da justiça administrativa. A resposta será encontrada numa primeira fase ao nível constitucional, contudo esta não será categórica pelo que teremos de encontrar o âmbito da jurisdição administrativa também ao nível da legislação ordinária que regula a competência dos tribunais administrativos e ainda legislação especial que podem conter atribuições ou subtracções a essas competências comuns. 

2 – Alcance da reserva constitucional da jurisdição administrativa
Num primeiro momento coloca-se a questão da interpretação do artigo 212º/3 da CRP – “ compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais ”.
Importa saber se existe no preceito uma reserva material absoluta de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos, no sentido de saber se os (1)tribunais administrativos podem julgar questões de direito administrativo e (2)se eles as podem julgar.
(1) A doutrina tem admitindo a atribuição legal aos tribunais administrativos da resolução de litígios referentes à actividade Administrativa, ainda que estes respeitassem a relações ou incluíssem aspectos de direito privado – tais como competência para julgar acções sobre contratos privados da Administração ou para julgar acções de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão privada da Administração.
Compreende-se tal posição uma vez que se tem vindo a verificar um fenómeno de miscigenação do direito público com o direito privado e há, portanto, uma necessidade de assegurar o respeito pelos princípios públicos em toda a actuação administrativa.
(2) Quanto a saber se só eles – tribunais administrativos – podem julgar questões de direito administrativo, as opiniões da doutrina divergem.
Para uns, resulta da Constituição uma reversa perante a qual o legislador não pode atribuir a outros tribunais o julgamento de litígios materialmente administrativos, (só se admitindo as devoluções de competências em matéria administrativa para outros tribunais que forem previstas pela Constituição).
Outros autores propõem uma posição mitigada, admitindo portanto a remissão do legislador para a “jurisdição comum” de questões resultantes de relações jurídicas administrativas, sobretudo se estivem em causa direitos fundamentais dos cidadãos assegurando deste modo uma protecção processual mais intensa desses direitos. Isto explica-se face às dificuldades da jurisdição administrativa por falta de meios e insuficiente número de tribunais.
Havia ainda a posição já ultrapassada do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que distinguia contencioso por natureza – que seria exclusivo dos tribunais administrativos – de contencioso por atribuição ou acidental – que seria susceptível de ser conferido aos tribunais comuns.
A posição mais razoável parece ser a da jurisprudência acolhida pelo STA, Tribunal de Conflitos e Tribunal Constitucional.
Esta não lê o preceito constitucional como um imperativo estrito, que contem uma proibição absoluta, mas como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações e desvios.
O preceito visava, historicamente, consagrar a ordem judicial administrativa como uma jurisdição autónoma e ordinária, deixando de se considerar os tribunais administrativos como tribunais facultativos.
O preceito não será mais do que uma “cláusula geral”, uma garantia institucional, das quais deriva a obrigação, para o legislador ordinário, de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições. 
Concretizando, fica proibida a descaracterização da jurisdição administrativa, mas não está vedada a hipótese de atribuição pontual a outros tribunais do julgamento de questões substancialmente administrativas – esta atribuição deve incluir-se na margem de escolha política e de liberdade constitutiva própria do poder legislativo.
Uma interpretação rigorosa do preceito constitucional levaria à inconstitucionalidade de leis importantes e de práticas de longa tradição, ou seja, implicaria uma revolução que só deveria verificar-se se tivesse sido inequivocamente assumida pela revisão constitucional.
Em suma, o preceito visa consagrar os tribunais administrativos como tribunais comuns em matéria administrativa.
Ainda que se optasse pela existência de uma reserva material absoluta de jurisdição administrativa, o critério orgânico não perderia importância, pois é a própria Constituição que atribui a outros tribunais o julgamento de questões emergentes de relações jurídicas administrativas. Vejamos:
·         É atribuída à jurisdição constitucional competência em matéria administrativa as questões eleitorais e a fiscalização abstracta da constitucionalidade das normas administrativas;
·         Não cabe à justiça administrativa as questões suscitadas em matéria de legalidade financeira da actuação pública, esta cabe ao Tribunal de Contas – 214º CRP;
·         Consideram-se, ainda, constitucionalmente atribuídas as questões relativas à interpretação das normas comunitárias à jurisdição de tribunais internacionais – tais como o Tribunal de Justiça ou o Tribunal de Primeira Instância. 

3 – A delimitação legal do âmbito da jurisdição administrativa:
A par de normas que visam concretizar o conteúdo da cláusula geral erigida pela Constituição, há que tomar em conta os preceitos que diminuem o âmbito da jurisdição administrativa e aqueles que ampliam, por atribuição, a sua jurisdição.

 3.1 – O âmbito da jurisdição administrativa segundo o ETAF – lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro:
A cláusula geral, contida no artigo 1º, define a competência substancial dos tribunais administrativos, identificando-a com os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
No entanto, entendeu determinar a competência da jurisdição administrativa por recurso a enumerações.
Temos uma enumeração positiva e outra negativa, estas correspondem aos litígios cuja solução compete ou não aos tribunais administrativos. Tal não significa, contudo, que não subsistam quando ao âmbito de jurisdição, por diversas razões:
·         Ou porque as enumerações são exemplificativas;
·         OU porque é impossível prever todos os litígios;
·         Ou porque estas utilizam conceitos que carecem de precisão;
·         Ou ainda porque não prejudicam a existência de legislação especial divergente.
Entende-se que a enumeração positiva é, normalmente, concretizadora da cláusula geral da Constituição, mas pode ser considerada aditiva quando visa atribuir competências que não caberiam à partida no âmbito definido pela cláusula geral.
Já a enumeração negativa é, em parte, concretizadora da cláusula geral e delimitadora do âmbito substancial da jurisdição, mas pode ainda ter um carácter e um efeito subtractivo do âmbito da cláusula geral.

3.1.2 – Artigo 4º/1 da ETAF:
A generalidade das alíneas do artigo 4º/1 visa apenas a concretização positiva do conceito de “litígios emergentes de relações jurídicas administrativas”, não levantando por isso grandes problemas. (excepção de parte das alíneas b), e), g) e h))
  Importa, contudo, fazer algumas observações:
·         O conteúdo das alíneas deve entender-se delimitado em função da cláusula geral do artigo 1º/1, isto é, só cabem aos tribunais administrativos no âmbito das relações jurídicas de direito administrativo, etc. (ex: a); f) e j));
·         Há ainda uma preocupação legal de delimitação do âmbito da jurisdição através da referência aos “poderes administrativos” e ao regime de “direito público” naquelas alíneas que possam abranger também actos praticados por sujeitos privados (ex: d); e); f) e i));
·         Presume-se a assunção de um conceito material de actividade administrativa quando, na alínea c), se inclui os litígios decorrentes das actuações materialmente administrativas de órgãos estaduais ou regionais que não pertençam à Administração Pública em sentido orgânico;
·         As várias alienas compreendem um duplo sentido: por um lado – enunciam as hipóteses mais importantes de litígios; por outro lado – tornam mais clara a competência dos tribunais administrativos relativamente a casos que lhes tinham sido ou parecia terem sido subtraídos (ex: a); l); n)).

3.1.2.1 – Matéria dos Contratos e Responsabilidade e o alargamento da jurisdição administrativa presente na cláusula geral:
·         Contratos:
·           Confere-se aos tribunais administrativos a competência para verificar a invalidade de quaisquer contratos, quando esta seja consequência directa da invalidade do acto administrativo em que se fundou a sua celebração.
Há um efeito directo, uma relação substancial adequada de causalidade entre as duas invalidades – isto significa que se atribui a competência para conhecer da invalidade, ainda que apenas derivada, de certos contratos privados (ex: b));
·           Atribui-se à jurisdição administrativa os litígios que tenham por objecto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, desde que estejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público (ex: c));
·           Parece delimitar-se a jurisdição administrativa pela natureza administrativa do contrato, em função do objecto (passível de acto administrativo) ou do critério estatutário (com cláusulas exorbitantes) (ex: f)).
·         Responsabilidade civil extracontratual:
·                   Atribui-se expressamente aos tribunais administrativos o julgamento das questões relativas à responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados no exercício da função jurisdicional e legislativa – isto constitui uma adição ao âmbito de jurisdição administrativa (alínea g)).
        Esta contudo só é aditiva, na função jurisdicional, no que respeita a erros judiciários, pois a responsabilidade pelos danos resultantes do funcionamento da administração da justiça envolve a resolução de questões de direito administrativo, que já antes se entendia que competiam aos tribunais administrativos;
        Inclui-se ainda na competência dos tribunais administrativos o conhecimento das acções de responsabilidade por danos causados pelos actos de natureza administrativa relativos ao inquérito e à instrução criminais e ao exercício da acção penal – apesar da impugnação desses actos caber apenas aos tribunais judiciais (4º/2/c)).
       Levantam-se dúvidas relativas à aplicação da alínea h), no que respeita à responsabilidade dos titulares dos órgãos legislativos e dos magistrados, uma vez que há que ter em conta a irresponsabilidade dos deputados (157º/1 CRP) e a limitação da responsabilidade externa dos magistrados. Contudo, não se põe em causa o direito de regresso do Estado em caso de dolo ou culpa grave.
·                  Passa a competir à jurisdição administrativa a resolução de litígios que tenham por objecto a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão privada.
       Este alargamento é muito discutido pela doutrina:
       À primeira vista não haverá nenhum impedimento para que os tribunais administrativos sejam competentes para conhecer da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por actos de gestão privada. Porém, tal não é expressamente afirmado pelo preceito.
       A seu favor pode-se invocar o elemento histórico e a circunstância do ETAF deixar de excluir expressamente o conhecimento de questões de direito privado.
       Contudo, se interpretarmos de forma estrita a cláusula geral do artigo 1º, na dúvida prevaleceria a regra geral de competência, carecendo as adições de serem expressamente determinadas. Acresce ainda a alínea i), a limitação do conhecimento pelos tribunais administrativos das acções de responsabilidade de sujeito privados. Nestes se parecem incluir os entes privados de “mão pública” (ou “falsos privados”) e os privados que exercem poderes públicos (ex: concessionários).
       Entende-se, portanto, que há-de ser a jurisprudência a determinar se houve ou não alargamento e em que medida.
·                   Resta saber se a jurisdição administrativa abrange apenas as questões da responsabilidade por actos funcionais ou também por actos pessoais dos titulares dos órgãos, funcionários, etc.
        Só pode conhecer das questões de responsabilidade civil por actos praticados pelos servidores públicos em conexão com o exercício de funções administrativas.
·                   Estas alterações legislativas não significam que estas questões enunciadas passam a ser exclusivamente reguladas pelo direito administrativo, mas, sim, que os tribunais administrativos passam a aplicar também, a título principal, normas de direito privado.

3.1.3 – Definição negativa do âmbito da jurisdição (artigo 4º do ETAF):
Alguns preceitos limitam-se a concretizar a cláusula geral, esclarecendo quais as questões que não são litígios emergentes de relações de direito administrativo.
Preceitos delimitadores: n.º 2 e n.º 3 – excluem questões relativas a actos de outras funções estaduais e questões de direito privado em matéria de emprego.
·           Alínea a) do n.º 2 – exclui da jurisdição administrativa a impugnação de actos praticados no exercício das funções política e legislativa;
·           Alíneas b) do n.º 2 – os tribunais administrativos não apreciam litígios que tenham por objecto a impugnação de decisões jurisdicionais de tribunais de outras ordens jurídicas (independência das jurisdições);
·           Alínea a) do n.º 3 – exclui a apreciação de acções de responsabilidade por erro judiciário desses outros tribunais;
·           Alínea d) do n.º 3 – exclui a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, quando o empregador seja uma pessoa colectiva de direito público.
Outros preceitos têm o alcance de restringir o âmbito de jurisdição administrativa. São os preceitos subtractivos – retiram à jurisdição administrativa a competência para conhecer certas questões de direito administrativo.
·           Alínea c) do n.º 2 – litígios que tenham por objecto a impugnação de actos de natureza administrativa relativos ao inquérito e à instrução criminais e aos exercício da acção penal;
·           Alíneas b) e c) do n.º 3 – fiscalização dos actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do STJ, pelo Conselho Superior da Magistratura e respectivo Presidente;
·           Alínea d) do n.º 3 – exclui a apreciação de litígios emergentes daqueles contratos individuais de trabalho que integram um regime especial de emprego público;
·           Alínea m) do n.º 1 – restringe a possibilidade de haver a atribuição a outras jurisdições de questões de contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público, subtracção operada pela Constituição. 

3.1.4 – Dúvidas que subsistem na nova legislação:
O desaparecimento da exclusão do julgamento de questões de direito privado, ainda que qualquer uma das partes fosse de direito público, não significa, necessariamente, que a jurisdição administrativa passe a incluir todas as questões de direito privado relacionadas com a actividade administrativa.
Poder-se-á, talvez, daí retirar que hoje em dia o ETAF admite a possibilidade de atribuição pontual aos tribunais administrativos de questões de direito privado.
Também deixaram de estar excluídos os litígios referentes ao domínio público e à sua delimitação com outros domínios. Esta exclusão, ao implicar a aplicação da cláusula geral, vai trazer para os tribunais administrativos a competência de conhecer da impugnação dos actos de qualificação dominial (actos administrativos), bem como as acções relativas a questões de delimitação (questões de direito administrativo).
A nova legislação terá pretendido confirmar a subtracção aos tribunais administrativos do julgamento das contra-ordenações e dos litígios relativos à indemnização por expropriação e requisição por utilidade pública, atribuídas pelo Código das Expropriações aos tribunais judiciais.
A sua manutenção justifica-se por razões de praticabilidade, devido ao escasso número e da implantação geográfica dos tribunais administrativos que levaria a elevados custos de deslocação para os particulares. Já as contra-ordenações também são da competência especializada dos tribunais judiciais.
Contudo, a jurisdição competente para conhecer os litígios referentes à reversão e adjudicação de bens expropriados passa a ser da jurisdição administrativa.

3.2 – Outros desvios legais:
Leis que atribuem expressamente competência para o julgamento de questões de direito administrativo a tribunais não administrativos:
·         Tribunal Constitucional:
·           Julgar questões relativas à disciplina dos seus juízes;
·           Declarar perda de mandato de membros do executivo municipal e destituição de titulares administrativos de cargos políticos com fundamento na infracção das normas relativas a incompatibilidades ou impedimentos.
·         Outros tribunais:
·           Impugnação de actos de recrutamento de juízes do Tribunal de Contas, que deve ser interposto para o Plenário daquele Tribunal.
·         Tribunais judiciais:
·           Contra-ordenações ou indemnizações por expropriação:
·           Medidas especiais de policia que têm de ser judicialmente validadas;
·           Impugnação de órgãos competentes da segurança social de concessão, recusa, retirada ou declaração de caducidade do apoio judicial;
·           Impugnação de todas as decisões administrativas relativas a direito de propriedade industrial;
·           Impugnação de decisões de entidades reguladoras. 

3.3 – Relação intra-jurisdicional entre tribunais administrativos e fiscais:
Existe uma relativa unidade de jurisdição administrativa e fiscais, contudo estas são distinguíveis.
O critério orgânico, associado ao critério material, exclui as questões administrativas que caibam aos tribunais tributários, isto é, que digam respeito a relações jurídicas fiscais (nestas se incluem: os recursos contras esses actos administrativos e a impugnação de nomas administrativas tributárias – arts. 26.º, 38.º e 49.º ETAF)
A lei comete para os tribunais tributários a competência para a execução de actos administrativos que determinem o pagamento de uma quantia certa. Trata-se de um desvio interno às regras de competência, os tribunais administrativos são competentes quando implique o pagamento de prestações pecuniárias.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO


FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA


CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO




           
O Governo português, na sequência do empréstimo extraordinário para o reequilíbrio finaceiro, comprometeu-se formalmente com o FMI, o BCE e a comissão da União Europeia a diminuir em dez por cento o montante dos salários auferidos em todos os empregos públicos, assim como a suspender todas as iniciativas conducentes à realização de investimentos públicos extraordinários, nomedamente as destinadas à construção do segundo aeroporto de Lisboa.
João Àrasquinha, que trabalha no Ministério da Economia, está particularmente revoltado pois, ao mesmo tempo que sofreu pela primeira vez, no pagamento de Maio deste ano, a referida redução salarial, ouviu na Comunicação Social notícias que punham em causa a suspensão da construção do novo aeroporto, em razão dos compromissos antes assumidos. Tendo sabido pelo filho, Francisco Espertalhão, das novas possibilidades abertas pela reforma do Contencioso Administrativo, resolveu impugnar o montante salarial obtido no presente mês, alegando a violação do seu direito fundamental ao trabalho e das garantias constitucionais dos funcionários públicos, ao mesmo tempo que pedia a condenação do Estado a que pusesse imediato termo à construção do segundo aeroporto de Lisboa. Na sequência da abertura do referido processo, a empresa Sóbetão pretende, à cautela, intervir como contra-interessada, para a defesa dos contratos, por si celebrados com o Governo português, destinados à construção do segundo aeroporto de Lisboa, alegando que o que está aqui em causa é uma decisão política, que não pode ser resolvida por um qualquer tribunal.




            Quid iuris?





(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).

terça-feira, 26 de abril de 2011

Caso II, pág.28, O Processo Administrativo em Acção

Faço, desde já, a ressalva para o facto de este caso não estar corrigido: é meramente uma resolução própria. Assim sendo, qualquer correcção é bem vinda por todos aqueles que a quiserem fazer.
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O objecto da acção especial de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido é apresentado no art.66 CPTA: prende-se a actos, estritamente actos administrativos[1]que, na perspectiva do autor, deveriam ter sido emitidos e não o foram, quer por força de uma omissão, quer por força de uma recusa. Neste caso em concreto, estaríamos perante uma omissão, na medida em que, ao fim de seis meses, o Ministério ainda não se tinha pronunciado sobre a pretensão de Alberto.
Quanto à alegação do Ministério, em como o subsídio não é acto administrativo, este tem sido apresentado pela doutrina como um exemplo de um subvenção que, por sua vez, é qualificada como acto administrativo[2]. Logo, o argumento da descaracterização da concessão de um subsídio como um acto administrativo, utilizada pelo Ministério não me parece fazer sentido.
Assim sendo, parece-me que, em termos de objecto, há preenchimento do enquadramento do art.66 CPTA.
Vamos agora verificar os pressupostos para a acção especial de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido presentes no art.67 CPTA:
o   Estando perante uma omissão, é necessário verificar a inclusão no preceituado no art.67/1/a) CPTA: temos de estar perante uma omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão – esta omissão não pode ter outras consequências previstas na lei[3] e o prazo aplicável é, supletivamente, o previsto no art.58 CPA;
o   Neste caso, não há nem outra consequência, nem outro prazo legalmente previstos: esta situação não se enquadra no previsto no art.108 CPA e aplicam-se os 90 dias do art.58/1 CPA – como já passaram 6 meses, este prazo já foi ultrapassado.
É preciso também analisar a legitimidade activa e passiva dos intervenientes nesta acção:  
o   Alberto tem legitimidade activa, tendo sido a parte que requereu a prática do acto;
o   o Ministério da Agricultura tem legitimidade passiva, nos termos do art. 68/1/b) e art.10/2 CPTA.
O prazo de proposição de acção é de um ano, nos termos do art.69/1 CPTA.
E quanto à alegação feita pelo Ministério da Agricultura de que o subsídio não é legalmente devido? A solução legal não invalida que o Ministério tenha de tomar uma decisão e apresentá-la ao particular: não se justifica que este fique em situação de indefinição, esperando por uma decisão, mesmo que esta lhe seja desfavorável. Logo, não pode este argumento ser sustentado para invalidar o recurso a esta acção especial.
Perante os argumentos enunciados, concluí que o recurso à acção especial de condenação à prática de acto devido é possível por parte de Alberto.  


[1] V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), nota de rodapé 496
[2] V. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol II: qualifica a subvenção como um acto administrativo primário, permissivo que confere ou amplia uma vantagem; V. também Marcelo  Rebelo de Sousa, Direito Administrativo Geral, Tomo III: utilizado como exemplo de diversos actos administrativos: actos favoráveis, actos determinativos, etc.
[3] V. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições): Vieira de Andrade sustenta que esta inércia não pode ter outra consequência ou não será aplicável a acção especial de condenação à prática de acto devido; Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, sustenta que em caso de deferimento tácito há lugar a uma acção de condenação à prática de acto devido.

sábado, 23 de abril de 2011

Colóquio de Lisboa sobre Procedimento Administrativo

O Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa promoverá, no dia 3 de Junho de 2011, a realização do Colóquio de Lisboa sobre Procedimento Administrativosubordinado ao tema «Funções e Objectivos do Novo Procedimento Administrativo: novos problemas e novas soluções», coordenado pelo Professor Doutor Vasco Pereira da Silva e pelo Professor Doutor David Duarte.
Com este Colóquio pretende-se reforçar os laços entre as instituições universitárias portuguesas e estrangeiras, debatendo temas cruciais de Direito público contemporâneo.
Para mais informações: http://www.icjp.pt/outrasini/cursos/901/programa 

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O mito do recurso hierárquico necessário – Parte III – Balanço final e posição sufragada



A interpretação restritiva do afastamento do recurso hierárquico necessário, no sentido de que este se mantém quando haja sido expressamente previsto pelo legislador em leis avulsas[1], merece-nos as maiores críticas. Nomeadamente:
-       Como compatibilizar a suposta regra geral da imediata admissibilidade de acesso à justiça administrativa, independentemente de recurso hierárquico prévio, com as disposições especiais que manteriam tal necessidade? Com a consagração da possibilidade de impugnação contenciosa imediata, qual a ratio de manter essa exigência? Considerar que o recurso hierárquico passou de necessário a útil (sendo apenas facultativo) e, ao mesmo tempo, que ele continua a ser obrigatório, enquanto pressuposto processual, não faz qualquer sentido.
-       O argumento aduzido para justificar a existência de dois regimes de impugnação de actos administrativos é o seguinte: ter-se-ia revogado a regra dita geral do recurso hierárquico necessário do CPTA, mas não as regras consideradas especiais. Este é um argumento meramente formal, já que antes da reforma não havia regras especiais, pois estas eram conformes ao regime considerado geral. Não implicará a revogação do regime geral a revogação de todas as normas que prescrevem o mesmo regime jurídico? Este argumento só poderia valer para excepções criadas pelo legislador após a reforma que eliminou a necessidade do recurso necessário.
-       Se a ratio legis da exigência do recurso hierárquico necessário era a de permitir o acesso à justiça administrativa e se o CPTA estabelece que essa exigência já não consubstancia um pressuposto processual de impugnação de actos administrativos, tal significa que a obrigatoriedade do recurso hierárquico prevista em legislação avulsa não tem já efeitos contenciosos. Nesse sentido, tais normas caducariam, por falta de objecto.
-       Isto para além da questão da sua inconstitucionalidade[2], por violação do conteúdo essencial do direito fundamental da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e do princípio da igualdade de tratamento dos particulares perante a Administração e perante a justiça administrativa.
-       O CPTA, ao concretizar o direito fundamental de acesso aos meios contenciosos (art. 268.º, n.º 4, CRP), prevê o princípio de promoção do acesso à justiça (art. 7.º CPTA) e proscreve as diligências inúteis (art. 8.º, n.º 2, CPTA). A defesa da manutenção de regimes avulsos que impõem o recurso hierárquico como condição de acesso à via contenciosa não é mais do que a defesa da obrigatoriedade de um pressuposto, que pode ser inútil.
Concluindo, hoje permite-se a imediata impugnação dos actos administrativos, estando definitivamente afastada a exigência de recurso hierárquico necessário. A solução harmonizadora, de iure condito, nos casos de legislação avulsa que preveja a obrigatoriedade de recurso hierárquico, deve ser a de que tais normas caducaram. Dessa forma, o recurso hierárquico é facultativo em todos os casos.


[1] Cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, pp. 302 a 308, e Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 11.ª edição, Coimbra, 2011, pp. 221 a 222.
[2] Adoptamos os argumentos deduzidos por Vasco Pereira da Silva em, por exemplo, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição, Coimbra, 2009, pp. 348 e 349.