terça-feira, 29 de março de 2011

“UMA PANORÂMICA GERAL SOBRE OS MEIOS PROCESSUAIS” ou “UMA MÃOZINHA PARA O ESTUDO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO”

Caros colegas,
Na medida em que terminámos (ontem nas aulas práticas e hoje nas teóricas) o estudo dos pressupostos processuais gerais e estamos a começar a avançar no estudo mais aprofundado de cada meio processual, achei que vos poderia ser útil este esquema dos meios processuais disponíveis no contencioso administrativo, que fiz para estudo pessoal.
Espero que seja útil como ponto de partida para o vosso, e é nessa esperança que o insiro neste blog, embora não se trate exactamente de nenhum dos conteúdos sugeridos pela nossa Professora! Talvez possa dar, com um ou outro retoque, uma boa súmula para uma entrada na wikipedia (até porque notei que não há, escandalosamente, nenhuma  entrada para a expressão “acção administrativa”, nem semelhante!!!).
Tenho sentido que é mesmo importante ter uma panorâmica geral dos vários meios processuais para conseguir “encaixar” mentalmente o que estou a estudar dentro das várias “gavetinhas” do contencioso administrativo.
Desfrutem!

ESQUEMA DOS MEIOS PROCESSUAIS:
1-   Principais:
a.     Não urgentes:
                                          i.    Acção administrativa comum
                                         ii.    Acção administrativa especial
1.    Para impugnação de actos administrativos
2.    De condenação à prática de acto devido
3.    Sobre normas
b.    Urgentes:
                                          i.    Intimações:
1.    Para a protecção de informações, consulta do processo e passagem de certidões
2.    Para a protecção dos direitos liberdades e garantias
                                         ii.    Impugnações:
1.    Matéria eleitoral
2.    Actos pré-contratuais
2-  Acessórios: providências cautelares
a.   Conservatórias
b.  Antecipatórias

3-   Executivo (para quando a Administração Pública não cumpre algo a que foi condenada)


ÂMBITO DE APLICAÇÃO DE CADA MEIO PROCESSUAL:

1.a.i. Acção administrativa comum
- O âmbito de aplicação deste meio processual delimita-se em função de dois critérios:
1-    Critério processual: vem expresso no artigo 37.º CPTA, que determina que é uma acção residual, isto é, cabem-lhe todos os processos não especialmente regulados no CPTA ou em legislação avulsa.
2-    Critério substantivo: não está expresso no CPTA, sendo um critério “oculto”, delimitado em razão das formas de actuação administrativa, também de forma residual: é o meio processual adequado para o controlo todas as formas de actuação administrativa que não o acto administrativo e o regulamento, pois estes são controlados em sede de acção especial. Resta, assim, para esta acção, o julgamento de contratos e actuações informais e técnicas ou de operações materiais.
- É ainda importante realçar que a esta acção comum se aplicam as regras do Código de Processo Civil.

1.a.ii. Acção administrativa especial
- Vem prevista nos artigos 46.º ss CPTA.
- Pode assumir uma de 3 modalidades:
1-    Acção administrativa especial para impugnação de actos administrativos;
2-    Acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido;
3-    Acção administrativa especial sobre normas.
- A acção especial já possui regras de procedimento próprias, aplicando-se o CPC a título meramente subsidiário.

1.a.ii.1. Acção administrativa especial para impugnação de actos administrativos
- Só se poderá recorrer a esta acção quando o acto seja impugnável. Assim, há que notar que o artigo 51.º CTPA introduziu uma alteração radical no contencioso da impugnação de actos! Anteriormente falava-se de actos definitivos e executórios[1], sendo que agora basta que os actos tenham efeitos externos, nomeadamente lesivos.

1.a.ii.2. Acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido
- Pode recorrer-se a este meio em três situações:
1-    Omissões administrativas: quando a Administração não decide dentro do prazo.
2-    Indeferimento expresso: quando a Administração recusa a protecção do particular. Esta é a forma correcta de reagir, não a impugnação do acto (art. 51.º/4 CPTA). Se o particular tiver razão o acto de indeferimento é automaticamente eliminado da ordem jurídica (art. 66.º/2 CPTA).
3-    Administração recusa-se a pronunciar-se acerca do pedido do particular.

1.a.ii.3. Acção administrativa especial sobre normas
- Esta modalidade de acção divide-se em dois tipos diferentes:
1-    Acção de impugnação de normas por ilegalidade: aplica-se a normas emanadas ao abrigo de disposições do Direito Administrativo, isto é, a normas regulamentares[2].
Pode ser utilizada em quatro situações:
a.     Art. 73.º/1: por iniciativa do particular, se a norma já tiver sido desaplicada em 3 casos concretos.[3] Tem força obrigatória geral.
b.    Art. 73.º/2: por iniciativa do particular, se se tratar de uma norma que produza efeitos jurídicos directamente e imediatamente sobre a sua esfera jurídica. É raro porque estas normas, em princípio, são gerais e abstractas, sendo esta afectação mais comum quando se trata de um acto administrativo ou de uma sentença; mas quando produzir estes efeitos o particular pode pedir! O tribunal não pode declarar com força obrigatória geral, só tem eficácia naquele caso concreto.
c.     Art. 73.º/3: por iniciativa do Ministério Público, que pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, mesmo que não existam três casos concretos anteriores a desaplicar a norma.
d.    Art. 73.º/4: por iniciativa do MP, que tem obrigação de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral se já tiver havido três casos concretos de desaplicação da norma.
Os efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral estão no art. 76.º, muito semelhante ao 282.º da CRP.
2-    Acção de declaração de ilegalidade por omissão: a possibilidade de declarar a ilegalidade por omissão de normas é uma novidade, aplicando-se às situações em que as leis remetem a sua regulamentação para um regulamento posterior que nunca vem a ser produzido, nunca ganhando verdadeira eficácia e exequibilidade.

1.b. Meios processuais urgentes
- Sem entrar em grandes detalhes acerca destes meios processuais e das suas fronteiras com os meios de tutela cautelar (pretendo fazê-lo, como já referi, num futuro próximo, aqui neste blog), há que dizer apenas que os meios processuais urgentes oferecem uma composição definitiva do litígio, havendo uma decisão a título principal.

2. Providências Cautelares
- Como sabemos, as providências cautelares oferecem apenas uma tutela acessória, instrumental, e, por isso, provisória da situação, que deverá ser sempre seguida de uma decisão definitiva a título principal.
- Estas podem ser:
1-    Conservatórias: visam manter o status quo ante, isto é, manter a situação como está;
2-    Antecipatórias: visam alterar o status quo ante (note-se que essa alteração não pode ser irreversível, sendo que na acção principal tem de ser ainda possível voltar atrás – trataremos esta questão aqui no blog num futuro próximo).


Espero que estas linhas gerais possam compreender melhor a nova configuração do contencioso administrativo, e a própria organização do CPTA! E mim ajudou-me bastante…
Bom estudo,
Filipa Lemos Caldas


[1] A noção de “actos definitivos e executórios” foi, ao abrigo da regulamentação anterior, muito estudada pela doutrina. Assim, seria executório um acto eficaz, que produzisse efeitos. Por sua vez, um acto deveria ser, de acordo com Freitas do Amaral, triplamente definitivo:
a.     Horizontalmente definitivo, isto é, deveria corresponder ao acto final, no procedimento administrativo;
b.     Verticalmente definitivo, isto é, proveniente do órgão máximo da hierarquia; e
c.     Materialmente definitivo, isto é, deveria estabelecer uma resolução jurídica para um caso da vida.
Parece claro que este critério era muito mais exigente do que o actual, sendo que a maioria dos actos não poderia ser objecto de recurso contencioso. Assim, por exemplo, um acto intermédio poderá ser impugnado desde que produza efeitos externos.
[2] Note-se que também é possível fazê-lo de modo incidental, ao impugnar actos administrativos, desaplicando a norma no caso concreto. Mas não é numa acção administrativa especial sobre normas.
[3] Estes três casos concretos podem resultar de decisões proferidas em acções nos termos do art. 73.º/2 ou por via incidental.

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